quarta-feira, setembro 24, 2008

[o verme]

estou definhando. tenho o tamanho de um besouro pequeno. todos sentem nojo de mim. não me surpreende, uma vez que vivo sujo e famélico. não sou um escritor, e tampouco sou qualquer coisa. a vaidade impediu-me a educação para a virtude. estou flutuando no mundo sem noção moral, sem respeito e sem deus. não existe nenhum deus a quem eu possa humilhar-me de joelhos. eu observo a cidade desde a minha pequena janela e não enxergo nada; é como se o mundo tivesse se desintegrado, como tudo houvesse sido eliminado, e restasse apenas a mente. uma mente doentia!... e a morte se recusasse a colher-me. é possível sentir a covardia correr entre as veias e formar coágulos enormes como cogumelos a ponto de explodir e destruir o teto sobre o meu crânio.
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só posso escrever em tom de despedida. um homem triste vive a lamentar-se e a dizer adeus a tudo: à amada, à poesia e à vida. e tudo é insuportavelmente hipócrita! em seu eu profundo quer dizer sim a tudo – até ao mais pequeno e ao mais desprezível. quando escreve, em terrível depressão, deseja afagar a si mesmo. na solidão, no desespero, na iminência do ato final, o poeta faz amor. seu discurso à humanidade é falso e alegórico. fala todo tempo como que diante de um espelho – e não se fala diante dos espelhos sem falsear. tudo, portanto, é exagerado [e, no fundo, excessivamente teatral]. no limite da expressão estética encontra-se o macaco. o simiesco é o fruto da expansão desmedida da consciência deprimida. a ordem perfeita exige do homem o suicídio – mas o homem é meramente um sonho...
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a morte me surpreendeu muito prematuramente. mas mil vezes seria preferível o túmulo a esta morte vil: a morte social. houve uma época em que o pressentimento da extinção era motivo para belos dramas: o sofrimento valia a tragédia. hoje não há mais beleza ou fruição estética no aniquilamento, só existe o frio e o vazio... para onde desabaram as cores e as metáforas?! para onde embarcaram os sóis?! sobrou unicamente uma rocha dura, uma pedra gelada e cinza: um mineral morto. o que deixo aos homens além de meus ossos?! é tudo o que, no fim, a terra requer desta passagem vã.
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em que contexto o homem abandona o mundo e entrega-se à dissipação?! eu pressinto o álcool comendo-me aos grãos, e nada me é capaz de impelir contra isto. é já a fatalidade quem brinca com o meu destino.
se a ordem trabalhasse no mesmo sentido; se a ordem desprezasse a morte do indivíduo, por exemplo, como a ordem cósmica; se eu não nadasse contra a corrente; sim, então tudo estaria consumado – e, talvez, não houvesse mais sofrimento. porém, a ordem, através de seus simulacros, sob a aparência do amor e a face da fraternidade, impõe a morte moral contra a destruição corpórea pura e simples.
antes uma vontade de nada do que nada de vontade - na opinião do homem fraco, a ordem é a verdadeira culpada da sua contínua amplificação de tibieza. ele, no limite de sua covardia, não mais admite em si um único indício de saúde; recusa-se a reabilitar-se e, por fim, só pode sobreviver da transgressão. o enigma vital do deprimido, e, no extremo, sua última possibilidade de existência como ordenação da vontade, é a morte voluntária - e a consciência de contribuir para sua própria danação.

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