terça-feira, setembro 23, 2008

[o grande desgosto]

Às vezes eu penso que o Homem é como uma vela acesa na História; sim, uma vela com uma chama impetuosa e voraz numa montanha alta onde ela bruxuleia e ameaça extinguir-se e que será, num dia muito frio, definitivamente apagada pelos ventos congelantes do Tempo. Então tudo o que consideramos como sólido, como duradouro e definitivo, e que foi construído por nossa civilização durante os últimos milênios, será simplesmente apreciado como um sonho perdido na grande noite da História.
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È um erro estabelecer a regra do movimento da História como sendo uma polarização entre a civilização e a barbárie, ou uma dualidade entre o pensamento racional e o caos embriagado, que o solapa e o dilui de tempos em tempos. A ausência de uma explicação teleológica para o desenrolar da história, para o fundamento do universo, marca uma divisão cega entre a grande noite, na qual o homem inexistia, aguardando confinado em uma semente, e o intervalo mínimo em que nos foi propiciado um estreito facho de luz e no qual nós bocejamos sob o sol. É parte de nosso orgulho e de nossa arrogância conceber o mundo do modo como até o momento o concebemos, pretendendo que à toda complexa regulação da galáxia corresponda alguma área do nosso domínio intelectual. Imagine se uma lhama ou um antílope, por exemplo, emergissem por um instante de seu silêncio e nos dirigissem uma única frase – nosso mundo não explodiria de imediato? (e quantos lhamas e antílopes ainda falam em nosso tempo!)
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Estamos à beira da ruína, é o que eu pretendo afirmar! A presunção de que trajetória do homem é uma eterna e contínua evolução não resiste à menor aferição isenta. O conhecimento dessa verdade dolorosa, o conhecimento da natureza perecível, curta, mesquinha e egoísta, que possuímos como se fosse a jóia mais delicada que existe, deve nos orientar nos próximos séculos como uma bússola do Ser. Não podemos temer quebrá-la! Estamos por demasiado tempo acorrentados na rocha em que se transformou o Iluminismo. O objetivo final da existência não pode ser unicamente a conservação doentia de nossa civilização, ou nossa satisfação com nós mesmos, uma vez que não é a nossa civilização que está em jogo na História, mas nós mesmos. Não é mais possível suportar tanta repressão e tantos crimes contra nós próprios em nome da civilização. Viver não é a conservação ridícula da vida, não se trata meramente de uma questão de sobrevivência. Como dizia Nietzsche, é chegado o momento de viver perigosamente, sempre para frente, rugindo, como um rio.
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Eu desejo, do fundo do coração, que os jovens que nos substituirão sejam mais felizes do que fomos até agora, e que a próxima geração possa martelar os próprios cérebros e dançar sobre a carcaça da nossa sociedade atual.

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