terça-feira, junho 20, 2006

[a alma do poeta]

Os poetas não são canários, são homens! Por que cantariam o tempo inteiro? Imagine-se um homem que vivesse a declamar: ele não nos pareceria estúpido e arrogante? Se a Poesia nos arrebata, é justamente por seu caráter episódico e singular. O poeta nos dá um mundo onde nos apetece viver; suspende-nos por um instante acima da Terra, içando-nos a um ponto de onde podemos contemplá-la estática e maravilhosa: e assim a Poesia nos fornece uma Helena pela qual nos sacrificamos. Com as pontas dos dedos, pinçamos um tesouro inesgotável através do qual a Vida torna-se mais digna; seguimos para o túmulo com uma majestosa impertinência e abrindo mão de todas aquelas jóias que encerrávamos em nosso coração; cada pequena fração do tempo, por mais ridícula e medíocre que pudesse parecer, é revestida de uma nobreza inédita e assombrosa, como se fôssemos carregados por uma brisa fresca e inebriante.
Ah, o poeta é um comerciante de sonhos!... Através de suas mãos generosas nos fornece uma profusão exuberante de mundos ilusórios sobre os quais ondulamos em êxtase; retira de sua arca encantada um milhão de diamantes do Espírito. E que esplêndida abundância jorra de seus versos! A verdadeira poesia, como o poeta essencial, é irredutível e interminável. Um poeta mede a altura do incomensurável. Por mais que os interpretemos e tentemos penetrá-los através das diversas portas de que são providos, esbarramos sempre num alçapão. O ideal é que os deixemos quietos, sem serem molestados. Mas não tenhamos medo: eles ainda cantarão! Eles naturalmente romperão seu silêncio e nos dedicarão uma Nova Música. Se hoje não a compuseram ainda, isto se deve estritamente à necessidade permanente de cantar que reclamamos deles. Outorguemo-los então o direito ao sigilo, e a um segredo passageiro: é imprescindível que hibernem durante o tempo necessário, para que depois no-lo revelem belo e luminoso!
Observando-os percebe-se um frêmito murmúrio na sua quietude, há como que uma súplica por paz temporária e descanso às suas cordas vocais – e talvez para que vibrem no futuro mais fortes e mais harmoniosas do que nos soam agora... Quiçá então se nos estendam tapetes reais sob nossas botas! Pois não são por coroas ou cetros que se distinguem os nobres e os monarcas, mas pelo quanto de poesia que lhes infla o espírito.
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E onde estariam os nossos reservatórios e os nossos compressores para a Poesia?... Seremos porventura finos como agulhas, e por isso explodimos o balão do Espírito? Ou senão onde estaremos abrigando o nosso Espírito – estará ele vagando como espectro?...
A Poesia é hoje uma flor exótica no jardim de nosso tempo. Em nossa época, tão logo se descobre um poeta, como atrás de um marginal criminoso, se estende igual a uma sombra uma taxionomia repugnante, e o classifica na mais baixa e vil categoria. O poeta é algo semelhante a um delinqüente social. Para ele o direito e a moral que compõem as nossas muralhas se tornaram intoleráveis, e como um selvagem ele não cessa de se dirigir à floresta, cada vez mais isolado como um ermitão no meio da metrópole. Paira, assim, sobre sua cabeça, uma nuvem negra, como uma espécie de aura maligna e diabólica, prestes a desabar... O poeta é um demônio urbano!... que atrai para dentro de seu peito todo o Mal que germina nos subúrbios das cidades, e como num liquidificador o dissolve e o purifica em um fluído mais homogêneo e apetitoso. O poeta é nesse caso um encantador. Ele ludibria a Justiça através de seus versos perfeitos, envolvendo-a por uma densa névoa de olvido.
Quando emite sua poesia, adormecida nos seus pulmões, é como se finalmente abandonasse o fundo de sua caverna, onde jazia até ali nas trevas reprimindo o seu Instinto. A história luminosa do Zaratustra é reencenada – e o Único Poeta reencarna! Como um sátiro, peregrina pelo mundo com seus cascos de bode ensinando sobre a animalidade do homem; traz a sabedoria da natureza para o palco onde macaqueia o homem civilizado, recordando-lhe encantos que este havia recalcado.
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Porém onde se escondem os nossos poetas – estarão eles extintos?! Outrora se exumou o cadáver da Poesia, e no entanto não havia falecido. Não deveremos desprezar jamais o poder de ressurreição desta deusa. Por ora, temos de desvendá-los (nós, os mineiradores da arte), estes homens-toupeiras, camuflados na terra, estes poetas sombrios de nossa época, com lanternas acopladas aos nossos capacetes, rompendo o eclipse que apagou o sol como uma esponja. O nosso ofício será durante os dias e as noites esquadrinhar os céus e os subterrâneos, e entre os escombros do velho mundo, assim como a um minério raro, com uma sonda localizar os nossos gênios – porque nos valerão igualmente um tesouro.

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Hoje os cômodos de nossos apartamentos se transformaram em cárceres privados; e a praça pública nos parece um ninho de ratos – tal é o pensamento mórbido do Poeta de nosso tempo. Em delírio, ele percorre a Terra com sua flauta celestial espalhando réquiens; descreve com minúcias o espetáculo inaudito de seu desespero. O pobre maldito cruza o seu horizonte anódino, pelos becos e centros fedorentos, rastejando seu esqueleto anômalo, ofendendo o olfato da sociedade com sua moralidade podre e degenerada. Como desejaria estrangular-se, este Poeta!
O que olham, não crêem [e, inversamente, sobre o que depositam fé, não podem ver!]. Tudo os repugna e tudo é indiferente à sua adoração e ao seu respeito. Cada objeto que eventualmente os esbarra é mergulhado num oceano de ácido sulfúrico, e nada sobrevive intacto ao seu bafo corrosivo; nada bóia nele sem sair dali enrugado e velho, ou com a aparência disforme e assimétrica. Quando falam, é como se borrifassem napalm sobre a carne flácida-desgastada de seus pares.

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(é um rebelde formal este poeta!... – não derrete nunca algo verdadeiramente sólido. Frágil e inofensiva condição de nossa Poesia! Do interior de nossos parques, no centro da urbe, ouve-se o brado do perdido na Selva, urrando aos céus enquanto as saídas estão desenhadas no chão.)

sexta-feira, junho 09, 2006

"Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho."


WALT WHITMAN



O cometa...
Ah, os seres criativos que dormem em seus aposentos tétricos;
os gênios que formulam suas filosofias sob tetos precários, cercados por paredes duvidosas e precárias e repletas de infiltrações;
e os artistas doidos que se arrastam exaustos pelas ruas imundas, em trapos igualmente imundos, sob o sol escaldante dos trópicos;
a gente humilde que ignora para onde desce o sol quando mergulha nas profundezas do Guaíba;
os superdotados que preferem o isolamento carcerário a sobreviver sob a tutela dessa sociedade decadente;
as naturezas religiosas que desapareceram totalmente sob a névoa libertina do final do século passado -
por favor, um gás claustrofóbico para salvar nossos deuses!...

a burguesia embriagada, sob efeito de vapores ordinários;
as drogas sublimes que nos transportaram para o centro da Terra, onde o fedor é absolutamente divino e podre;
e os artistas convencionais que um dia ainda eliminarão completamente as criaturas incríveis, liquidando-os com seu aborrecimento burguês;
o proletariado que procriará até a insuportabilidade total seus próprios porcos, e seguindo a onda herege permanecerá cristão até os ossos, e na fogueira invocará o nome de Cristo!...

Mas a Arte prosseguirá firme, sob a luz duvidosa de um apartamento frio, onde um perdedor qualquer se elevará aos céus, dopado e em êxtase profundo, escrevendo cometas incandescentes sobre o céu negro da Terra.

Daniel Fontana


“o cometa porto-alegrense...”
Esta poesia, que a princípio seria denominada de "Cometa porto-alegrense", foi escrita sob uma tempestade "tétrica" (como sugere seu primeiro verso), no início de novembro de 2005, após uma tarde fervilhante típica da capital gaúcha. Trata-se, no fundo, de uma auto-homenagem que se estende a todos os fabulosos artífices da Arte que são perdedores completos.
Pode-se sustentar que foi a minha primeira reflexão genuinamente porto-alegrense. Naqueles primeiros dias, recordo-me da impressão profunda que o Sol de Porto Alegre me causou – daí a atmosfera abafada dos versos. No limite, ela não é tecnicamente uma poesia, mas apenas um delírio visionário. Escrevi-a de um jato, tentando vertiginosamente captar os fantasmas que brotavam espontaneamente e de maneira caótica no centro da sala de meu apartamento mal iluminado.
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Historiador de pouca inspiração, porém de formação teórica sólida e consistente. Aos poucos, entretanto, seus antigos alicerces estão desabando – que a verdade seja dita: em benefício da Arte! Sua graduação foi coroada por uma excelente monografia sobre o pensamento de Nietzsche a respeito da História, especificamente no seu primeiro período de fecundidade, na metade da década de 1870.
Estudou diversos filósofos e escritores melancólicos. É igualmente um admirador profundo dos escritores russos, sobre os quais se debruçou inteiramente na primavera de 2005. Em última análise, não é um poeta, e pode-se argumentar que sequer é também um bom leitor de poesias, entretanto, nutre uma idolatria desmedida por Arthur Rimbaud, a quem enxerga como uma espécie de "alma gêmea" – como um autor que ultrapassa totalmente a barreira protetora da Arte.
O autor se aventurou por diversas áreas do conhecimento e campos da Arte. Recentemente deixou a cidade de Florianópolis para se tornar um escritor. Até agora é um fracasso retumbante! Trabalha atualmente no setor de montagens e na administração de uma loja de móveis pertencente a seu irmão, com orgulho e dedicação.

terça-feira, maio 02, 2006

[a psicologia religiosa]

O etéreo se solidificou sob o olhar cristalizador de biólogos, físicos, químicos, médicos, historiadores, antropólogos, etc. Terá a ciência esfriado o velho sol? E para quê precisamente a ciência? - se o seu efeito mais profundo é o vagar assombrado e abandonado a si próprio da humanidade. Será o raiar do homem sem consolo?
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Estamos privados do sentimento religioso. A essência do sentimento religioso independe do império da religião; tal sentimento, ou, se quiserem, a presença do divino e do sublime no coração humano, não é uma hipótese racional, não é uma idéia, aqui não influi um juízo - na ausência de um termo melhor, creio que é uma espécie de estado. O cristianismo, e todas as religiões positivas, é uma idéia. A construção de um deus é sua matéria bruta, o substrato primário, o primitivo mental em si. Temos então uma teoria! um suporte, uma tábua - no sentimento, entretanto, há qualquer coisa impenetrável.
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Como conferir a Deus a figura lamentável do homem – do ser desesperado, que tem sua felicidade coibida e ameaçada a todo momento por sua maldita condição perecível? Todos os vermes e bactérias da Terra testemunham a ultrajante condição humana! É compreensível, no entanto, que não sabendo a quem apelar, urre o homem a Deus como a um irmão, ou a um pai. Que excessiva baixeza de Deus, preocupado com toda a sorte de pequenos conflitos! Não é, todavia, sob esta sombra de Deus, repugnante e vil, que a nossa época se rendeu ao domínio do ateísmo.
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Escuta-se de bocas religiosas ser o individualismo imoderado de nossa época o principal inimigo da idéia cristã [e a idéia cristã é a idéia moral, par excellence]. Tal evento explicaria a indiferença moral que nos move, e mesmo uma certa inclinação doentia em inverter a ordem moral. Embora subsista no fundo das ações, sem entretanto ousar impor-se, como uma ratazana, a moral não é mais a lei que disciplinava e orientava os homens, a espada que pairava sob o crânio da ação: ela sobrevive apenas como prova, como retrospectiva, e como juízo tardio. A consolidação das idéias modernas, que representam a consagração da idéia moral e do instinto gregário, acima de tudo a vitória da democracia, teve um efeito demasiado ambígüo: o disfarce tornou-se excessivamente colorido - todas as cores agora merecem lugar na sua vestimenta! Tudo é passível de derrubada, destruição, adaptação, etc. A queda da Igreja, a idiossincrasia moderna no terreno da moral, não a fez desaparecer - a velha ratazana -, porém, perder profundidade, espessura - e sentido! A emergência do homem de mil peles, o ator moderno, transformou a religião em um abrigo precário, um templo de argila movediço, abandonado à mais caótica confusão. Ninguém mais está ao lado da moral - ela não tem mais lados! e está em todos os lugares - como um fantasma. Oh, Lutero! Imaginou salvar a Igreja com sua rebelião camponesa! Pobre puritanismo! Lutou como um tolo - porém, com boa consciência. Não poderia prever o cataclismo que se sucedeu. Onde florescer uma Igreja, haverá festejos! [mas é da natureza aldeã interpretar o júbilo como corrupção, libertinagem e desvio.]
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A persistência do homem religioso leva a crer que, apesar da expansão desenfreada do materialismo, houve aí uma adaptação. Como é comum entre charlatões, e todos os vendedores de idéias falsas, houve mútua fagocitose. O capitalismo e o sacerdote irmanaram-se. A relação comercial se intrometeu na religião a tal ponto, que hoje não é absurdo considerarmos as orações como um comércio divino, e fundamentarmos a nossa fé, ou a ausência dela, sob a aparência do contrato burguês - com a anuência desinteressada dos bons pastores.
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A sociedade total, realizada sob a idéia de mercado, impôs a lei da inteligibilidade. O gosto agora é medido pelo estômago do homem médio, esmiuçado e mastigado para que ele possa engoli-lo. E, por razões óbvias, pela experiência da fome, da miséria e da indigência, tal homem tem pressa em comer, e não aprendeu a ruminar. O alvo da democracia é conectar os extremos da pirâmide, reunir o senhor e o escravo tagarelando sob a mesma teia. Os homens santos, os políticos, e também os sábios, expressam-se pelo idioma universal. A regra basilar da nossa cultura é banalizar até os pensamentos mais elevados, torná-los indigentes, generalizá-los, superficializá-los. Nossos "eruditos" são magníficos sintetizadores cuja função é vulgarizar, achatar e rebaixar toda filosofia que exacerbe e ultrapasse o crânio atrofiado do homem medíocre. Eis o auge de desenvolvimento do instinto gregário e do rebanho: nada subentendido, sugerido, sutil, escondido, enigmático, ou oculto. Os mistérios são revelados em uma vitrine, sob a luz fria do luar e do anoitecer, à vista de todos, como um concerto ordinário, com gosto de enciclopédia, com sabor de jornal. Com qual fastio não deve olhar tal homem para o mundo desencantado? Com qual bocejo não deve responder a uma tal nouvelle? E, entretanto, há tanto ainda a ser penetrado! tantos céus a serem explorados!
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Não somos, por acaso, uma nova aparição da sociedade mongol, descendentes de sua brutalidade, portadores do mesmo ímpeto devastador, influxo nômade, alucinante, cavalos guiados por guerreiros tribais, tomando de assalto o estrangeiro, e tomando de assalto o que surgir pela frente, em uma vontade ilimitada de derrubar barreiras, demolindo, arruinando, conspurcando, odiando e blasfemando, horrorizados contra tudo que é perene, duradouro, permanente e firme, saqueando a certeza de nossos precursores? Seremos, além disso, um povo? E caso sejamos, somos nós, os filhos bastardos da crença, também capazes de erguer nossos próprios castelos, nossas próprias fortalezas indestrutíveis, nossos templos sólidos, desafiar o poder usurpador do Tempo? A qual remoto obscurantismo deveríamos então retornar!
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Não seria divino poder ignorar o caráter contraditório, omitir a luta permanente, esquecer-se, por um instante e com boa consciência, do combate contínuo e incessante que cada organismo trava entre si para preservar ou expandir sua própria força, todo este conflito eterno que organiza e rege, esta beligerância fundadora e polissêmica, e a disputa por comando, predomínio, preponderância e potência que move cada partícula viva? e também poder manter-se firme, não amedrontar-se ou hesitar diante da queda, da ruína, do declínio e da decomposição, interpretar serenamente o ocaso e o crescimento, reconciliando-os, unindo-os, irmanando-os como parte do plano? e poder enxergar nas profundezas um reino justo, ver uma razão e um sentido para a desgraça, para a catástrofe e para o crime; sentir-se amado e protegido de forma incondicional, sem sofrer com o frio, com o desprezo e com a indiferença? Não deveríamos, todos os dias, orar ou até mesmo cantar em agradecimento, alegrarmo-nos, e, perdidamente, dançar em frenesi, por uma tal dádiva? Ah, se o nosso crente possuísse metade de tal confiança, valeria a mentira! E que crente temos nós? Quem é o homem contra o qual nos insurgimos? É o beato confinado em igrejas frias, fedendo a formol, sofrendo de reumatismo, amaldiçoando a vida e injuriando a natureza; o pálido e anêmico portador do grande desprezo! espalhando sua fumaça de incenso na relva verde: o defumador de corações! E, no entanto, aos olhos biônicos da ciência, aos nossos deuses dissecadores de rãs, são homens idênticos, os dois têm a mesma mente estreita, são míopes e igualmente obtusos. Suponhamos, por curiosidade, que tais olhos efetivamente vêem a verdade: nada repugna mais o espírito científico de nossa época do que a segurança, a certeza, a convicção, o grau de resistência, o doce conforto e, suponhamos outra vez, a ignorância satisfeita de tal fé: ao contrário, tudo deve ser pesado em sua balança, posto em cheque, criticado e diminuído. A revolução darwiniana que elevou e celebrizou o macaco, que contemplou maliciosamente a ascensão histórica das massas, o triunfo organizado dos medíocres, mergulhando o homem no desespero e na angústia, impulsiona, como uma surdina, abafada e camufladamente, a humilhação daquele homem criado à imagem e semelhança de Deus; captura-o como um animal através de iscas, subterfúgios, alçapões, chamariscos, ratoeiras, armadilhas. A ciência! Os dialéticos! Quanta superstição ainda existe arraigada em seus corações! Não será a verdade a sua superstição, sua idiotia permitida, sua fé imbecil, sua necessária ilusão?
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Não vos parece cômico nossos filhos tardios do pitagorismo [os mais admirados crentes entre nós] almejando provar a existência de Deus pela matemática, pela física qüântica, sustentando teses e criando teologias baseados na regulação do universo, na complexidade dos mecanismos primitivos, no grande geômetra do cosmos, na maquinaria astronômica, na perfeição do arranjo biológico, no protozoário primordial, no caldeirão químico, no anencéfalo, no deformado; enxergando Deus em cada causa explicada pelo homem, desvendada, descoberta, intuída, depositando desconfiança ao poder plástico do aleatório, duvidando da conformação acidental das coisas, com sua metafísica da grande consciência, da intencionalidade, da racionalidade, excluindo tudo aquilo que não se enquadra nos seus procedimentos especulativos, que não pode ser reduzido e resumido em sua matéria mental, com o preconceito antigo que via na matemática a perfeição, uma linguagem celestial, uma simbologia superior? E por que tal ligeireza para encontrar-se com o criador? Não é a pressa a pior inimiga da boa ciência? E, se o homem do subsolo estiver correto quanto à aritmética ser meramente um arranjo e que 2x2=4 é uma sentença de morte, um muro, e não a fórmula da divindade, uma luz de Apolo, por que tal vontade de logo chegar ao fim de nosso enredo? Seria, talvez, por assombro e medo, pelo horror interno à estreiteza e provisoriedade de nossas teorias, pela condição precária de nossas verdades, continuamente reformadas, rejeitadas, dispensadas? É tão inacreditável que o homem veja precisamente nisto, nesta exatidão de relógio, uma marca do criador, uma assinatura, como uma permissão para ser esquematizado, interpretado e explicado por nossas regras fictícias e inaturais, que são metáforas da natureza, transposições, representações, signos - quão debilitada é uma tal fé! No fundo, também o cientista busca consolo, inércia e entorpecimento. O impulso democrítico, enfastiado de arrasar e derrubar, com o estômago cheio de saques e espólios, mira seu leme para o mar liso e calmo - cansado do mar crespo! -, vai descansar no azul profundo da crença. O monopólio da força, detido pelos grandes negadores, que agora expressa-se como crítica, tem de ser tomado e surrupiado por nós, aves de rapina, os obscuros adoradores do desconhecido e aventureiros do amanhã, para que venham então os grandes afirmadores!
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Nossa maldição é ter nascido num século no qual é impossível sonhar – senão onde estariam, então, os nossos profetas? Há pouco mais de dois mil anos, o que é um intervalo insignificante diante da imensidão do Tempo, e que traz um alívio ao nosso tédio febril, mesmo os homens mais desprezíveis, e pertencentes às escalas mais baixas da sociedade, podiam formular suas alucinações com alguma convicção, com alguma esperança, sedimentados e loucos sobre um chão d’água na crença em algum Livro maravilhoso e derradeiro, enquanto hoje, para nós, todas as portas estão fechadas, confinados, com os ossos espremidos, na casca primitiva de nossos desejos. Quem hoje teria a coragem de ordenar: “levanta-te e anda!”? Nossos paralíticos estão perdidos não porque precisam de pernas: eles precisam de fé! Não nos falta unicamente coragem e bravura, é certo; sobretudo, somos incapazes de flutuar como loucos, de vaguear como mendigos errantes à beira do precipício do Novo. O espírito moderno carece daquele sentimento artístico diante da vida, daquela confiança interior transbordante, daquele delírio despótico que percorre o artista ante o destino, ante a sorte dos acontecimentos, ante todas coisas ao seu redor e, mesmo sem possuir, pode crer firmemente boiar no ar, acima da própria morte: sua crença predomina sobre sua composição biológica, pesa mais do que a verdade – e, em decorrência disto, o artista sempre está a um passo de mergulhar em Deus, porque a sua fé em si mesmo é, no fundo, um artigo religioso.
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O homem médio sempre raciocinou de forma demasiado bruta, rangente e pesada; julga, por haver florescido tantas religiões, e estas haverem originado tantos crentes, existir necessariamente um fundo de verdade na religião. O povo tem seu critério basicamente fundado sobre o efeito quantitativo, e raramente examina o que se apresenta diante de seus olhos com a frieza necessária; e assim, diante dos milagres, dobra-se sem opor a menor resistência, como faz também com as obras extraordinárias de seus profetas. Se uma horda de crentes loucos estiver disposta a oferecer seu sangue para atestar a veracidade de uma proposição milagrosa, o homem comum imediatamente se colocará a seu lado, esforçando-se ao máximo para a propagação do Mistério, irrompendo como bárbaros pelo interior dos templos [e há sempre uma necessidade do oculto nas sociedades religiosas]. O Mistério, assim como a Arte nas sociedades pagãs, vivifica uma sociedade religiosa envelhecida, pois quando o império da doutrina enrijece uma cultura, e a história e a tradição prevalecem sobre os elementos dinâmicos, o véu da ilusão, ardendo da fonte fervorosa do engano, é absolutamente necessário, fecundo e estimulante, exatamente como nos casos em que a Arte, quando o domínio do político congela o ânimo criativo, lembra aos homens a necessidade de renovar e se expandir – é assim, desta forma, que os fanáticos são artistas e libertinos, num grau popular e cômico.
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Os pregadores saíram-se melhor do que os artistas ao provarem suas verdades. A mentira bem alimentada é mais robusta do que a verdade precária [temporária, hipotética, inconclusa, incompleta, refutável]: ela sabe impressionar o homem - e, com isto, o engrandece. Cremos ainda de bom grado nas histórias cujas testemunhas se fazem degolar. Quanto haverá de bravura e integridade no moribundo engolido pelas chamas? Quanto restará de coragem e de verdade no doente sufocado pela corda?... entretanto não são comoventes estes doentes em êxtase elevando os seus cantos aos céus, implorando piedade e ternura com os corações sangrentos, percorridos por um rio fervilhante de fé em seus altos de sacrifício? como trocá-los pelos nervos frouxos de nossos artistas?
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Os nossos séculos têm também as suas próprias migrações religiosas. Os mórmons, por exemplo, se constituem na mais nova forma de pregadores ambulantes. De todas as partes da América, jovens crentes se espalham pelo mundo para divulgar a verdade de sua fé cristã. A disciplina egípcia de sua crença fecunda o solo por onde passa, e o empenho destes servos tem feito germinar, sob todos os climas, os mais ricos templos. A piedosa administração dos superiores, aliada à rígida organização de suas missões de fé, entretanto, não é tão essencial quanto o grau de fé delirante que inflama os corações destes jovens religiosos. Um casal deles é suficiente para fazer multiplicar em cem vezes a sua fé: são como ratos; e, como ratos, onde se instalam tem princípio uma deterioração, e algo de podre infecta a atmosfera em que respiram. Se exibissem a mesma disciplina a respeito do prazer, como exibem em relação à renúncia [embora a tolerância à riqueza material], teríamos rapidamente uma civilização de epicuristas, pois então encontrariam ouvidos flácidos às suas vozes sedutoras; porém, as rédeas que agora nos prendem são apertadas pelos laços cegos do prazer, de modo que nós, homens modernos, vagamos incertos com a língua de fora.
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Quem uma vez considerou o homem de perto, atenta e isoladamente sob uma luz solar, sabe o quanto é debilitada sua ciência e restrito o seu campo de visão. Alguém que haja se dedicado à análise correta e meticulosa do homem, e que tente provar a idéia de Cristo no homem por um estudo moral, incansável e isento de pré-julgamentos, inevitavelmente se decepcionará. Nas sociedades onde imperou uma cultura artística, um tal conhecimento do homem jamais vigorou. O florescimento desta ciência glacial, que se estabelece nas profundezas do homem, é impossível onde estão fundados os templos da Arte; ali, onde prevalece uma arquitetura equilibrada da natureza, há calor para abrigar o homem e brisa suave para protegê-lo e amenizá-lo das chamas do excesso. Os cientistas, nestas sociedades, sempre foram considerados demônios marginais, párias relegados ao escárnio e aos quais se deveria manter preservado, ou mesmo privado do contato. Seus experimentos em relação ao homem permaneceram periféricos e ocultos naquele concerto engenhoso e cintilante erguido sobre a pedra primordial da Arte. Em determinadas épocas, sem dúvida, devemos pesquisar e ir a fundo para evoluir no conhecimento da fisiologia e da moralidade do homem para que se evite que, semelhantemente a um balão muito cheio, estouremos à menor oscilação do ambiente. A manutenção da espécie humana e também o fortalecimento do indivíduo são de tal forma complexos, que exigem de nós a máxima atenção e o cumprimento rigoroso de uma série de normas estritas que proporcionem a harmonia adequada; porém, justamente quando tais regras nos parecem nebulosas, nos momentos em que somos arrastados como que por uma correnteza de dúvida, assolados pela tempestade, insurgem-se aqueles retumbantes estados de exceção no qual brilha uma única figura, luminosa e incandescente, cercada pela imensa penumbra que se estendeu diante de nosso juízo, então estamos mais aptos, mais flexíveis e vulneráveis, ao sentimento religioso ou à frigidez científica, a ponto de agarrarmo-nos nessa primeira embarcação maravilhosa, estupefatos por ela resistir enquanto boiamos vacilantes e sem rumo compreensível.
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Como certas plantas, as religiões florescem somente em terrenos propícios ao seu crescimento, e cada homem é um desses pedaços de terra, em cada criatura se desenvolve um micro-universo, e não raramente tais criaturas podem adotar muitas religiões durante o curso de suas vidas e até mesmo nelas coexistirem duas ou mais inclinações religiosas opostas, como se o ser do homem fosse verdadeiramente um campo de batalhas; e a paz temporária, com o predomínio de um pensamento religioso, por exemplo, constitui um cristão ou um budista, enquanto uma paz duradoura e ampla, e nem por isso não tensa, não vacilante, que abranja a totalidade do homem, forma os santos - os santos são antes precisamente aqueles a quem é necessário colocar-se à prova. É tão impossível transplantar uma orquídea para o deserto quanto converter um ateu; assim como não é dado a um homem apreciar Rembrandt, uma vez que não desfrute da visão. Um ateu só se converterá quando propriamente, em seu íntimo, já não for um ateu, e nisso não influem a persuasão do sacerdote ou as descobertas científicas; para compreender uma tal modificação é necessário observar com paciência as transformações neste solo, e como a natureza ali trabalha, imperceptível e constantemente, gerando lentas mutações; ver em um microscópio a pré-história de nossos pensamentos conscientes. É preciso desconfiar das rápidas conversões! - no domínio religioso, a férrea mão do costume não se rende ligeiramente sem dissimular: uma tal pele de cordeiro, para o calmo explorador de entranhas, sempre impressionará por sua aparência de enxerto, por sua artificial superação sobre si própria, por sua inescrupulosa boa consciência ao enganar e falsear sua natureza. Quando, assombrados por um milagre, cremos ver tais homens saltar de um lado ao outro do abismo - antes que se lhes construíssem a ponte! -, não somos iludidos só pela limitação de nosso conhecimento, por nossos preconceitos ou superstições, mas sobretudo pela utilidade de tais prestígios, por uma dura e inflexível necessidade de sortilégios. A raiz do erro fundamental de Schopenhauer, enternecido por haver a humanidade recorrido ao remédio das religiões desde o amanhecer do Tempo, presumir existir no homem algo como um impulso primitivo à religião, por um cansaço iluminista, por estar habituado ao convívio com homens fracos e medrosos, foi julgar ser impossível o tipo forte, o exemplar preparado para as mais duras missões, para os submundos sem Deus, onde em tais profundezas, o homem comum não alcança com sua ridícula vara de pescar.
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Um fato surpreendente em nossa época, e mesmo talvez anti-natural, é a inexistência daquela antiga equação, que sobreviveu até a expansão do cristianismo, a qual separava para cada povo uma religião própria, e em que cada cidadão identificava-se unicamente com os deuses de sua cidade. Esta equação que perdurou até o declínio do paganismo, e que o ímpeto de Roma já havia antes afrouxado com seu império babélico panteísta, permitia que o seu templo conservasse-se intacto mesmo contra uma calamidade de alta intensidade, contra invasões e contra guerras. A Grécia antiga assistiu à construção destes templos despretensiosos e resistentes como fortalezas [por uma certa fatalidade artística na criação], enquanto hoje prevalece a enorme vaca híbrida da religião. Agora existem também inúmeros templos – mas somente como ilusão de ótica! A velha Roma é ainda quem governa os nossos contemporâneos, sobretudo através da inoculação venenosa da moral em nossas concepções políticas [Paris, Washington ou Londres são satélites periféricos do Vaticano]. Quem olhar diretamente nos olhos de nossas personalidades políticas atuais, e também souber afinar suficientemente os seus ouvidos, perceberá que a raposa moral está viva, bem viva...
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Que dois homens sejam capazes de uma mesma idéia sobre as coisas é uma suposição firmada em observações muito grosseiras. Não possuímos uma só prova que nos confirme tal conjectura. Evidentemente dois homens podem chegar a um acordo sobre as coisas, e podem entrar em consenso, por exemplo, sobre o deslocamento de um cavalo. Em último grau, entretanto, jamais poderemos deduzir que a descrição do movimento, segundo estes dois mesmos homens, coincidirá, ou que ambos tratem do mesmo cavalo, e que não fazem, cada um por si, uma idéia particular do cavalo. Tais suposições, como o consenso artificial sobre as coisas, são fundamentais para a saudável manutenção do convívio social – não é por isso, todavia, que devem corresponder integralmente à verdade. Foi a manutenção desta distância equilibrada entre duas entidades, este respeito mútuo pelo qual o individual é preservado [e o sentimento profundo é avaliado nas profundezas], e a comunidade restrita é solidificada, que mantiveram por um milênio acesas as chamas da antiga fé grega, sua separação e guerra sigilosa. Com isto, quero afirmar que a linguagem é a base de toda moral.
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Imagine-se um homem que pudesse analisar a existência de um ponto fora do tempo, sentado em cima de uma Lua de onde medisse a validade absoluta de todas as ações humanas, como se pudesse desembaraçar o fio de Ariadne: não suspiraria ele, enfim, desconsolado, compassivo com o próprio homem, desolado pela inutilidade final de todos os esforços? Este homem, regressando de sua tribuna imparcial, e sem aqueles binóculos divinos, está necessariamente destinado a considerar o resultado de toda a sua contemplação como nulo; tudo aos seus olhos parece em vão, como que retornando ao ralo inicial. Sim, pois a morte engole todas as coisas! E se nada escapa à ruína, como então fornecer, estabelecer, ou apreender um conhecimento sólido das coisas; ou pior, se tudo retorna, se todo princípio, em última instância, é inválido e a morte se constitui na única verdade constante, cobrindo as duas extremidades da corda da existência, por que erigir qualquer monumento duradouro? Todos nós, e também todas as coisas, dançamos uma única e mesma música fundamental; cantamos, sem o saber, o hino eterno da morte e com ele embalamos o nosso sono! Mas se a morte é uma verdade tão regular, é porque a vida, o sopro primitivo, é o seu par simétrico: e nisto consiste todo o jogo exuberante do vir-a-ser. Compreenda-se aquele lamento indizível de nosso habitante lunar, quando, à noite, na véspera de seus sonhos, ora ao Criador em desalento: “Ó, Criador, que fizestes todas as coisas, e que proporcionalmente desmancha também todas elas: por que me deste tal entendimento precário e superficial sobre o Ser; por que oitenta e não mil anos, ou então menos, apenas cinco anos para atingir o fundo de meu alambique; por que este curso cego e não outro qualquer?”.
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Se ficasse claro, por um só instante no mundo, quais os propósitos mais profundos de um único órgão do homem, como o seu pé, por exemplo – porque os pés também têm o seu nível de pensamento -, a humanidade não resistiria! Todos os homens se lançariam uns contra os outros numa terrível carnificina. Teríamos, talvez, alcançado a profundeza – e não é assim que nos espera a Vida!
***
O sentimento profundo da religião consiste na crença inabalável de que, sob os mais mórbidos e obscuros impulsos do homem, e debaixo de sua carcaça de lobo, sobreviva uma chama constante e estável de luz divina; que existe, malgrado as rebeliões episódicas do homem, e não obstante os cursos furiosos e esporádicos das intempéries naturais, um plano perfeitamente elaborado, simples e terno, mantido sob o cuidado e a sabedoria eterna da divindade.

terça-feira, janeiro 03, 2006

[utilidade pública]

Esta introdução é dividida em quatro partes, cada uma delas representando um grupo de idéias convergentes conforme minha opinião. O primeiro conjunto de reflexões trata mais precisamente da percepção do tempo histórico na modernidade; logo adiante, empenho-me em descrever a popularização da História e o império desta sobre as demais ciências sociais e humanas na atualidade; a terceira série de pensamentos é dedicada a demonstrar as minhas próprias inclinações espirituais, especialmente aquelas que me dirigiram ao conhecimento histórico; por último, procuro refletir sobre o processo de composição do trabalho, ou seja, o meu julgamento sobre a confecção da monografia, a seleção da ordem dos capítulos e suas subdivisões, além das motivações pessoais e meus objetivos.
Espero que me tenha feito compreender, e seja possivelmente útil e objetivo – ainda que estes sejam problemas que não me digam respeito. Boa leitura!



INTRODUÇÃO


É possível que estejamos condenados, que não haja esperança para nós,
para nenhum de nós, mas se assim for, soltemos então um último
e torturante uivo capaz de gelar o sangue nas veias,
um berro de desafio, um grito de guerra! Fora elegias e réquiens!
Fora biografias e histórias, bibliotecas e museus!
Que os mortos comam os mortos. Dancemos nós, os vivos,
à beira da cratera, uma última e agonizante dança.
Mas que seja uma dança!
HENRY MILLER

I


“Clio parece ter adquirido cidadania universal”[1]. Nos últimos anos, houve um apelo mais ou menos geral à história. Desde o século XIX, uma tendência vertiginosa por melhoramentos tecnológicos, pela aceleração e otimização em todos os campos da vida social favoreceu uma percepção do tempo como efemeridade. A constante e “necessária” subjugação da natureza elevou a pressa das coisas. Sentir o tempo ficou muito mais evidente. A impressão de um espaço temporalmente pulverizado expõe dois problemas contraditórios: uma sensação de completa dissolução, de morte instantânea das coisas, proporciona um recuo de “consciência histórica” em favor do presente, de um presente momentâneo gratuitamente concebido; e também, um apego exagerado ao passado como pátria mítica, ou como necessária coerção da imaginação comprimida pelo presente.
A obstrução do desenvolvimento de uma “consciência histórica” é sedimentada em um sólido investimento no instante. A ignorância de todo passado decorrente desta hipertrofia do presente, sob a lógica do massivo capitalismo, exige das pessoas um comportamento desesperador. A dupla face da modernidade, isto é, o capitalismo e a ciência, prometem para o amanhã o que para ontem era exigido uma vida inteira de martírio, sacrifício e privações. O instante torna-se o tempo ideal de sublimação. A percepção móvel e fluída do tempo faz as pessoas vagarem no etéreo, onde toda lembrança de superfície é associada à morte e à decrepitude. O turbulento ritmo que envolve as pessoas, como um vapor supersônico a empurrar-nos, faz a juventude rodopiar pelas ruas como piões frenéticos, superexcitada pela realidade deslizante, como se estivesse precipitando-se sobre um abismo insondável sugada pelo ralo do tempo. Os olhos parecem querer saltar para fora das órbitas, esfomeados pelas imagens que vagueiam vertiginosamente diante de si, tentando inutilmente deglutir os efeitos de suas visões tormentosas. O ser moderno, doente de uma hipertrofia do olhar fugidio, parece ter saído direto de uma fábula para a realidade; os horizontes se esfumaçaram para ele, parecendo deslocar-se num imenso vazio, sobre um infinito fantasmagórico:

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos (...) As pessoas que se encontram em meio a esse turbilhão estão aptas a sentir-se como as primeiras, e talvez as últimas, a passar por isso.[2]
Neste último século, as coisas realmente parecem girar sozinhas. Tudo sugere a ausência de um eixo mais firme; todos os movimentos estão constantemente desafiando as leis da física. Uma força oculta, alguma mola que não se permite distinguir, parece animar as coisas que ameaçam subitamente se despedaçar e se consumir, enquanto as pessoas simplesmente se deixam levar “curtindo”. Sobre este ambiente peculiar, paira um sentimento catastrófico, simultaneamente sublime, delirante e onírico. O presente pulsa, contraindo-se e expandindo-se, indiferente ao passado; o tempo murcha e o passado é expurgado como uma grande dor a ser aliviada, as raízes são cortadas uma após a outra como resquícios deploráveis do vínculo vexatório com a “tradição”. Os inumeráveis e contínuos partos da modernidade, frutos da sua distintiva ânsia criativa, são compensados pelo rápido perecimento de todas as coisas – talvez jamais, em qualquer outra época, vida e morte estiveram tão indissoluvelmente ligados. E este drama de vida e morte parece ocorrer apenas no mais vago território, apreendido somente no terreno da impressão.
A “alma moderna”, entretanto, está cingida entre dois pólos: a sensação de gratuidade e ubiqüidade do presente, do desprendimento com as gerações passadas, e uma confusa procura pela paternidade. A paternidade sendo uma condição passada que constantemente se exerce sobre o presente, que recorda os direitos que lhe cabem e os sacrifícios que lhe são desejáveis. Nesta perspectiva, em que há um mergulho na totalidade do tempo, a absurdidade do presente evapora como um pesadelo distante. O conforto oriundo de se saber não órfão, contudo, gera uma responsabilidade inexistente naquele ser que naufraga no presente e que contempla entorpecido a completa dissolução de todas as coisas: para este a morte não dói tanto. Este sentimento do tempo como um líquido mais viscoso empresta uma aderência maior às coisas e um sentido coletivo se forma em torno destas como uma camada explicativa. O jogo caótico de luz e sombras é substituído por uma iluminação mais sóbria, mais digerível aos olhos. O tempo é sentido com a mesma intensidade, só que apenas com uma outra ênfase. A abertura para o sentimento do coletivo dissipa a ilusão do princípio de individuação e expande os limites do compromisso ético; o favorecimento desta percepção ao convívio social põe sobre os ombros dos homens a pesada obrigação da pintura a fresco, onde é proibida a raspadura.
O apego ao passado, como é perceptível, entretanto, não tem curado o vazio do presente. A inclinação imediata ao passado tem ocorrido justamente por essa sensação de absoluto vácuo. As pessoas parecem querer perseguir os velhos, prostrando-se apressadas a lhes recolher os cabelos que caem ao chão, como experiências que se esvaecem como tardias folhas outonais. Há uma pressa geral para deter o tempo; uma insana impaciência para conter o passado. O lema é não deixar coisa alguma se apagar, sendo o essencial a preservação das pegadas ao assalto do tempo:
Na falta de um presente que entusiasme e perante um futuro inquietante, subsiste o passado, lugar de investimento de uma identidade imaginária através dessas épocas, no entanto próximas, que perdemos para sempre. Essa busca torna-se mais e mais individual, mais local, na falta de um destino coletivo mobilizador. Todos abandonam os tempos extraordinários em troca da memória do quotidiano das pessoas comuns. [3]
Diante de um presente deplorável, a história tornou-se uma espécie de passatempo relaxante onde se investe a esperança na ilusão. O passado aparece como uma pátria mítica onde o homem anseia enraizar-se. O homem moderno refugia-se num sítio ilusório onde a existência recebe um sentido; desesperado, ele afina seus ouvidos para saber de História – interessa-lhe agora o tempo, este drama da dissolução.

II

O universo editorial brasileiro sofre ultimamente de um surto histórico. Atualmente, há um avanço sorrateiro da produção historiográfica voltada especificamente para esses fins. Uma produção acelerada de artigos, numa espécie de “vontade de enxugamento”, tem servido à proliferação dos trabalhos históricos em escala massiva. A compressão vertiginosa do espaço e do tempo impõe uma severa demanda por informações ao mesmo tempo em que as disponibiliza segundo novas práticas e novos instrumentos. Assim, o suor do historiador circula mais livremente e os historiadores parecem novamente enxergar a luz, após décadas de claustro sob o domínio das ciências naturais e matemáticas.
Nas últimas décadas, a História havia se popularizado através da expansão educacional pelos tentáculos do Estado, sempre de mãos dadas com o lucrativo mercado dos livros didáticos. Hoje, o poder público influi diferentemente sobre o ensino histórico: a formação e o delineamento do caráter nacional, o fortalecimento dos princípios nacionais e dos sentimentos patrióticos, que antes nortearam as preocupações do Estado com a História, exprimem uma atmosfera confusa na atual sociedade brasileira: parecem agora sedimentados, inúteis, prejudiciais, ou por simplesmente não ser mais de interesse prioritário, não combinariam com a (des)ordem do mundo atual. A degradação do ensino público, e o conseqüente avanço do sistema privado de educação, sugere que os narradores da História são agora outros, e deixa paulatinamente sua hegemonia quase total. Tal decadência indica uma nova disposição dos “conteúdos históricos”, ou melhor, favorece uma nova percepção do tempo histórico e altera profundamente as prioridades históricas.
A decadência do ensino público, todavia, é insuficiente para explicar a reordenação dos “conteúdos históricos”. Da percepção móvel e fluída da realidade, o homem moderno espera ansiosamente agora tirar lições através da História. Depois do confisco do monopólio do Estado sobre a produção historiográfica e da dissolução das fantasias totalizantes, resultado da ruína das ideologias e dos grandes sistemas teóricos, a História ainda se ressente, de forma geral, de um centro de gravidade. Há uma relação fundamental entre as novas práticas históricas e as estruturas cambaleantes da sociedade moderna. A condição atual do historiador é semelhante a do náufrago que assolado por seu delírio marítimo vago ainda desconfia de todo solo mais firme. A precariedade do historiador, entretanto, permite-lhe ser mais flexível à fugacidade, sendo que lhe cai muito bem a fantasia de camaleão. O poder de camuflar-se, a recente tendência ao mimetismo do historiador, tem inspirado as outras ciências sociais (e humanas) a fazer pactos de solidariedade com a História. O efeito destas recentes alianças ascendeu a História ao trono das ciências sociais.
As ciências sociais sempre permaneceram em constante batalha, instigando-se mutuamente ao combate, saqueando umas às outras. Cada hegemonia, como cada disposição hierárquica, tem sido puramente temporária, precária e instável. Diferentemente das ciências naturais, as complicadas relações humanas transformaram os conceitos das ciências sociais em aparências nebulosas e mestiças. Jamais se obtiveram as escrituras definitivas dos terrenos ocupados por cada uma das ciências sociais – tudo transcorreu sobre fronteiras movediças. A geografia temperada das ciências sociais contrastou com a aridez típica das ciências naturais, habituadas com a oscilação desértica que varia entre dois extremos: o certo e o errado. O tom acinzentado das análises sociais, a claridade duvidosa que paira sobre os estudos sociais, tornou-se uma objeção à esfomeada obtenção do selo da ciência que caracterizou o século XIX.
A História herdou do tempo, da exuberante multiplicidade do vir a ser, a marca da singularidade que durante muito tempo lhe dificultou um lugar no jardim das ciências. Quando o gosto predominante optou pelas regularidades – pedras fundamentais das “ciências positivas” –, a História esteve ameaçada. O caráter caótico e desgovernado do tempo há de ser sempre a objeção dos homens da verdade: a história está sempre a desmenti-los, exibindo fissuras. Na transição para o século XX, houve uma intensa pressão para que a História enquadrasse seu discurso. Nos períodos de crise do discurso histórico, geralmente ocasionados por uma aversão às singularidades, a história tornou-se uma palavra vaga, quase náufraga no interior das demais ciências sociais, como se coubesse a uma grande força externa a tarefa de tomá-la sobre o colo e conduzi-la apropriadamente a seu destino. Esta força externa seria desempenhada pela filosofia ou pela nascente sociologia, a quem caberia imprimir as cores da sabedoria orientadora: direcionar e retalhar os propósitos da História, classificando as individualidades extraídas da história segundo seu monstruoso aparato teórico. O divórcio entre a singularidade e o teorema, portanto, foi o grande dilema enfrentado pela História. A disciplina histórica fez o possível para se afastar dos rótulos teóricos; tentou penosamente distanciar-se da filosofia da história e da metafísica.
Durante certas épocas, como na modernidade, em que a sensação do tempo é extremamente volátil, a História tende a ser intimada a dar seu testemunho. Todas as outras ciências sociais parecem transformar-se em apêndice da disciplina histórica, de maneira que hoje são inconcebíveis uma filosofia não-histórica, uma antropologia e sociologia a-históricas, etc. A História absorveu o discurso das outras ciências sociais, diluindo-as em seu extenso lamaçal. As ciências sociais parecem ter se resumido a fenômenos esparsos do imenso atoleiro histórico, como devessem tributo à História para que lhes fosse concedida permissão para se pronunciar. Esta capacidade antropofágica que fez da História um grande monstro é a responsável pelo triunfo esmagador do método histórico; a consagração da História é o resultado direto de suas propriedades metamórficas, da sua habilidade em insinuar-se nos territórios mais inóspitos, e também igualmente nos mais hospitaleiros. O sucesso estrondoso da História deve-se a sua extrema ubiqüidade, seu lusco-fusco que a permite estar em todos os lugares simultaneamente sem realmente estar em lugar algum, sem fixar seu templo sobre qualquer terreno. A recusa de uma verdade ontológica, o abandono do “Ser”, permitiu uma movediça plasticidade.
Houve, por assim dizer, uma adoção das outras ciências sociais pela História – que exerce em parte seus direitos de paternidade. A tendência cinzenta da História, contudo, a impede de desfrutar amplamente seu imperialismo – a História parece exibir um horror hierárquico, uma vocação democrática ao hibridismo. Com a ascensão da História, percebe-se um certo “ecumenismo epistemológico”. Exceto um ou outro dialeto, um ou outro aspecto regional, hoje todos parecem falar o mesmo idioma. A estrutura babélica das ciências sociais se dissolveu num maravilhoso templo ecumênico, como se um vulcão novamente se precipitasse sobre Pompéia e fundisse todos os desiguais numa mesma paisagem ocre, de modo que amalgamar o mais possível tornou-se o lema. Portanto, não raramente nos espantamos com nossas palavras saindo de bocas estranhas.

III

De qualquer modo, para o bem ou para o mal, estou me tornando um historiador. Isto sempre soou como um enigma para mim. Há alguns anos, eu era um paralítico deprimente. Ocorria-me constantemente que este estado permaneceria indefinidamente; somente me dispunha ao movimento pelo choque de uma enérgica força externa, sacudindo os meus ossos e despertando os meus músculos de seu sono profundo. A matéria sempre foi um dos meus pontos fracos: uma vez colocado diante de formas sólidas e concretas, diante daquela esfera que rudemente denominamos de “física”, despedaçava-me em mil partes. As superfícies sempre foram um obstáculo intransponível para minhas mãos – não para meu pensamento. Na minha maneira estreita de enxergar as coisas, eu não podia conceber a hipótese de que conceitos venerados como “justiça” ou “virtude” proviessem de um ser dotado de intestinos e fígado, que fossem expelidas por um órgão como a boca, e que para este ínfimo evento, fosse necessária uma série de combinações, disposições e hierarquias de células – toda minha psicologia se limitava a partir de um espírito livre e soberano, de uma região abismal de um ser incorpóreo. Portanto, eu sempre dispus de uma terrível habilidade em manipular “essências”.
A pressão e a expectativa disfarçada da minha família fez com que eu pusesse um pesado fardo também às suas costas, exonerando-me das questões práticas da vida. Esta coação dissimulada, aparentemente para o desenvolvimento de uma personalidade independente, de liberdade intelectual, das minhas aspirações no reino do pensamento e no domínio estético, obrigou-me a subitamente sentir necessidade de recompensá-los com o meu talento, presenteando-os com meus frutos; isto cada vez mais se configurava num compromisso religioso: mas como? com que forças? – tudo ainda era demasiado verde e imaturo. A incerteza, neste caso, me consumia por completo e não raramente eu despertava de uma profunda imersão em mim mesmo aos gritos e lamentos, derramando-me em lágrimas até a dissolução absoluta. Em última análise, a questão toda se resumia a me preservar o máximo possível do contato com a “realidade” – natural que minha primeira impressão do passado tenha sido sobre algo morto. Eu possuía uma certa crença na necrofilia dos historiadores. A complexa aversão ao presente, ao que denunciava vida com seus latidos, fez de mim um historiador. Havia uma vontade de contemplar a água parada e profunda contra a agitação e a turbulência que me cercava todos os dias.
Eu jamais senti, entretanto, qualquer inclinação ao furor de toupeira do historiador; nunca pude compreender a necessidade de dispensar imensas energias às autópsias historiográficas. Os esforços dos historiadores sempre me pareceram perder-se no vazio do conhecimento, empregando uma linguagem completamente incompreensível, “uma linguagem esotérica só compreensível para os iniciados em seu próprio culto”[4]. Talvez fosse exatamente isto o que eu procurava: uma linguagem absolutamente particular para a qual a comunicação fosse totalmente acessória – tornar-me eu mesmo uma câmara de isolamento acústico.
Este drama particular do isolamento e da morte se dissipou com a leitura de Nietzsche. Eu soube desde o começo que jamais o abandonaria. Tentei de todas as formas compartilhar este arrebatamento: frustrei-me completamente. Preferi seguir à margem, por um caminho próprio, alheio às associações eclesiásticas que se fundaram em torno do nome de Nietzsche. O delírio vertiginoso entre o aleatório e o necessário, entre o caos e a ordem, entre a barbárie e a cultura – todo o universo bi-polar (ou trans-polar) apolíneo-dionisíaco – extasiou-me. As fronteiras difusas entre o que anteriormente se considerava o avesso e o direito, entre os “opostos”, seduziram-me imediatamente. A precariedade da existência e a paupérrima face do mundo foram então cobertas por uma prodigiosa epiderme de beleza. O lusco-fusco nietzscheano convenceu-me a aceitar o equilíbrio instável da condição humana.

IV

O homem é corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.
O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim; o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento.
Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses os que atravessam de um para outro lado
[5].

A história que descreve o desenvolvimento do homem ocidental é uma corda que separa o animal e o além-do-homem, ou melhor, que se estende sem, no entanto, separar definitivamente a esfera da animalidade e o domínio do além-do-homem. Este “perigoso olhar para trás”, que se detém em profundidade no tempo, gerou-me uma profunda desconfiança no ofício do historiador, e é o motivo principal para esta monografia: não se trata de um estudo detido e exclusivo, portanto, do problema individual da História, mas de um ensaio geral, e despretensioso, sobre o declínio do Ocidente sob a força do impulso histórico. A indecisão nietzscheana entre o histórico e o a-histórico como apreciações humanas que negociam, ao invés de se excluírem, também é um dos principais objetivos desta investigação, assim como um exercício complexo – e provavelmente infrutífero – de auto-conhecimento.
No primeiro capítulo, tento esboçar o nascimento da história como disciplina. Analiso rapidamente os embates entre as ciências sociais e a luta pela obtenção de um atestado de cientificidade à disciplina histórica. Também persigo o entendimento do equilíbrio de uma história que se alicerçou sobre a construção da “alma nacional” e o estatuto de verdade.
No segundo capítulo, dedicado mais precisamente à filosofia de Nietzsche, tento compreender a emergência da ciência no contexto da “morte de Deus”. Como questões pontuais, aparecem o aprofundamento do niilismo europeu e a “metafísica do artista”, esta última típica do primeiro momento da obra de Nietzsche. Finalmente, concentro-me na crítica da história nietzscheana, salientando três pontos que me parecem fundamentais: a constituição de uma “alma moderna” bipartida entre interior e exterior, o desmedido apreço pelo conhecimento que gera um saber sem fome e o desenvolvimento de uma “história vitalista” em que conceitos anteriormente negativos como destruição, esquecimento e injustiça são afirmados como potências essencialmente criadoras.
***
Esperei por um longo período para dar vazão ao que se segue; deixei-me longas horas sob um silêncio aterrador, esperando algo como um raio que me caísse à cabeça. O duro processo de escrita, acompanhado da desgastante maturação dos pensamentos, ensinaram-me a não mais confiar na “inspiração”, nesse instante miraculoso em que Deus nos tocaria diretamente com as mãos. Cada frase deste trabalho foi talhada com enorme sacrifício e laborioso julgamento, assim como também passou pelo crivo de uma atormentada compulsão estética: isto equivale a dizer que foram precedidas por inúmeros balanços, rejeições e seleções, desfazendo uma ilusória crença de que as palavras surgiriam por si próprias, na descida da correnteza que eu erroneamente pressupunha existir. Da metade em diante, atacou-me um “fatalismo russo”, e deixei-me deitado sobre o gelo aguardando a morte. Pressenti diversas vezes estar à beira de uma congestão cerebral. O árduo esgotamento intelectual me transtornou a ponto de não mais dormir, de modo que não estou ainda completamente recuperado do parto. Espero fazer-me entender senão em tudo, pelo menos no que julgo essencial e não meramente acessório, o que ficará claro ao longo da exposição. Espero ter tido êxito em manter-me a um passo do historiador e do ensaísta, propositadamente em uma região de fronteira e eqüidistância, alternando entre um estilo curial e um outro mais intenso e incandescente.
Basta de falatórios! É tempo de recolher as âncoras e enfim navegar com todas as velas desdobradas...

[1] DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Editora Ensaio, 1994, p. 7.
[2] BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
[3] DOSSE, François. Op. Cit,, p. 15.
[4] MILLER, Henry. A Hora dos Assassinos: um estudo sobre Rimbaud. Porto Alegre: L&PM, 2003.
[5] NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 27.