segunda-feira, setembro 22, 2008

[arte da fome]

O homem assolado pela miséria é terminantemente incapaz de escrever; a meu ver, o artista faminto é o criador da arte moribunda. Os mendigos, entre os grandes criadores da História, não foram além das religiões mórbidas. A boa digestão e a saúde do corpo, um certo ócio satisfeito do estômago, são sumamente necessários, uma vez que a arte é a plenitude do espírito e do corpo. A beleza não advém da escassez e da penúria – o belo é fruto da abundância e da boa fortuna. Há fossa demais no mundo, talvez como em tempo algum, e nem por isso possuímos uma boa literatura; muitos homens bons sucumbiram por tal erro de juízo, impondo-se disciplinas cadavéricas; e quanto mais se arruinavam em benefício da arte, mais eram absorvidos pelo enigma da morte, consumidos pela necessidade, sem escrever um só livro elevado; e, segundo tal lógica, o fracasso era atribuído genericamente ao mundo, ao mundo que não compreende o gênio, que não tem nervos suficientes para o sofrimento, que possui a mente estreita e limitada. O gênio desajustado é fruto da perversão da arte, da antilógica sombria que converte o homem degradado e infame em homem superior; de algum modo, em razão da preponderância do ressentimento e da inveja, da cobiça mais hostil e baixa aos bens dos afortunados, é o caminho aberto para o homicídio – e, em um acesso de humilhação orgulhosa, também para o suicídio.

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