http://vidanamadruga.blogspot.com/2009/07/eu-sou-um-zumbi-apaixonado-traducao.html
o conto é meio mórbido, ainda que seja esperançoso. ele supõe que o amor, a liberdade, a paz, etc., só alcança sua plenitude quando reprimido o impulso sexual no homem. é uma denúncia a céu aberto contra o corpo!... não é gratuita, portanto, a escolha dos zumbis como leit motiv. o definhamento do impulso sexual representa o triunfo do espírito (em detrimento do culto da carne celebrado por ora em cada mônada do nosso universo). a propósito, só uma ruína devastadora - as cidades ardendo, os homens mutilados, vítimas do canibalismo e da autofagia, o retorno ao pó bíblico! - devolverá uma improvável paz ao infatigável e insaciável apetite do homem. e ele cava até o esqueleto, até a medula, para que a verdade possa refulgir intacta, sob uma luz solar. propõe ser a serenidade uma virtude descarnada e etérea. e, tornado pura energia cósmica, descansa em seu leito meio tedioso, com o estômago empanturrado. no pano de fundo, move-o o adágio de que após a tempestade colhe-se a bonança. etc.! mas o homem, permita-me discordar, é uma ponte! ele é o eterno miserável flagelado com a língua de fora. são a incompletude e a ausência suas substâncias mais próprias. não se pode exigir ao homem que não queira, pois seria o mesmo que ordenar ao vento que não vente. reformar o homem é algo delicado. sei lá, esse idílio de anjos castrados é uma história meio fantasmagórica e realmente assustadora; e é uma moléstia antiga esse desejo enraizado no coração dos infelizes e mal logrados por um paraíso pálido e frígido cheio de eunucos bocejando e abanando o nada, e frio cortante de deserto congelando os tímpanos. não creio que reprimir sumariamente o elemento sexual seja uma boa saída. porém, um olhar mais sinistro ao nosso futuro!... devemos ampliar a tensão destrutiva no homem e fomentar um apocalipse pra que a roda seja recolocada em seu ponto de partida. não vejo saída além da catástrofe e da hecatombe. e isso pode acontecer só no âmago do indivíduo – talvez no plano celular! atômico! –, sem implicar numa convulsão social. as cidades não precisam virar uma imensa bola de fogo.
* essa aura edificante esconde aversão e nojo ao homem; sei lá, para o desavisado, isso pode ser romântico, utópico e desejável, o que não altera em absoluto seu caráter misantrópico; é que, desde o domínio das idéias semitas, outro tipo de mundo passou a prevalecer sobre este mundo existente, um mundo, digamos, antinatural e impossível, no qual o melhoramento do homem foi identificado com a sua domesticação e onde a felicidade suprema coincide com a resignação suprema. e esse pensamento torpe peculiar a escravos, que teve sua semente cultivada na Europa primordialmente pelos estóicos, e tornado dominante pelo cristianismo, consolidou-se de uma forma extraordinária, envenenando e corrompendo as almas sadias (com a inoculação da má-consciência), pois os escravos, em todo o lugar, compõem a imensa maioria do estrato social. relatado em pormenores, iluminando com a lâmpada fria da história as baixezas e traiçoeiros golpes de intelecto engendrados para a consecução dessa obra, isso tudo se assemelha a delírio ou a um pesadelo tolo; porém, os artífices desta perfídia, como os anõezinhos de Gulliver, costuraram com firmeza e tenacidade os cordões desta camisa de força mental que aprisiona o nosso ímpeto e nossa valentia dormentes.