segunda-feira, setembro 22, 2008

[o filantrópo - fruto de uma boa digestão]

filantropia - obedecemos hoje o hábito não muito tolo de julgar a filantropia um comércio interesseiro, e, conforme a moda liberal, em um pensamento atual, consideramo-na um duplo cálculo: em um sentido religioso, e, deve-se dizer, também político, influi como purificação da má-consciência e eliminação da culpa social; enquanto, em um plano individual, menos simbólico, mostra-se um estratagema de dependência pessoal. tais considerações, é certo, são naturais à alma moderna, e ignoram os efeitos concretos para se concentrar exclusivamente na idéia, naquilo que é a possessão coletiva de uma época, de sorte que o filantrópo tornou-se hoje mau e egoísta, e seus atos, expostos sob a luz do cálculo frio, são reputados tiranos. em contrapartida, e ainda sob o domínio do grande olho da moral, o miserável socorrido e assistido em sua pobreza, supostamente por maus instintos, é convertido em vítima; contraiu, sem o querer, uma dívida, de um único lance, material e moral.
para o liberal, e no limite para o materialista, não há grandeza em o homem ajudar o homem; entretanto se os homens forem sujeitos à sua própria sorte, não existirá possibilidade de reconciliação total, não haverá jamais algo como união mística. o coração dos homens há de ser terno - nem que o seja somente em superfície! e, exista a alma ou só o oxigênio, creio que o senso de gratidão está presente em todos os seres. mesmo que uns sejam dotados de menor benevolência do que outros, a bondade dos demais os contamina positivamente; e, assim como um acontecimento depende de outro, através da lei de causa e efeito, ocorre igualmente que todos acontecimentos dependem do menor deles, em uma cadeia infinita: o bem colherá o bem.
o tempo, pode-se dizer, é tal teia cobrindo como um véu todas as épocas; uma “festa sempiterna” para a qual cada instante contém uma reserva insondável de força, uma energia inextingüível, e onde cada homem procura conhecer o seu espaço. assim, contra toda a ciência, um ato não se desmaterializa totalmente no presente, porém está como que condenado pela eternidade a se fazer ressoar. o que realmente importa é a existência eterna desta porta para todos os seres, sem o saberem, tornarem-se grandes.
a boa ação, em unidade com a boa consciência, aproxima os homens; é a caridade, e não o egoísmo, que os multiplica e os torna fortes; à indiferença, só correspondem o desdém e o desprezo. o filantropo não é mais um, mas torna-se dois e, às vezes, mais homens (por participação!) – e todas as coisas grandes, por sua própria enormidade, só se pode sustentá-las por diversos homens.

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