terça-feira, setembro 23, 2008

[o disfarce da Natureza; para Mandy]

Não me permitirei dar vazão ao impulso à verdade. Para quê? ‘Eis a vitória da lógica, o descanso da verdade... a dialética!’? A finalidade da dialética é a terra arrasada. O segredo da verdade é que ela não constrói. Não foi a verdade ou a razão quem erigiu os supostos “benefícios da civilização”, que você tão orgulhosamente celebra e difunde, porém, a ilusão da verdade. O trabalho de construir é sempre realizado pela arte, que é fundamentalmente enganadora. Todos os nossos monumentos estão sedimentados sobre a pedra essencial do erro. Em si, a verdade destrói, devasta e arruína; o procedimento da verdade, que pode ser comparado ao comportamento do pensador, é puramente de inspeção, de desconfiança, de suspeita e de exame. A lupa natural do filósofo serve para sondar e limpar o caminho, não para preenchê-lo: eis o método do Norte! Não é fortuito, por exemplo, que ali tenham crescido godos, visigodos, ostrogodos, vândalos, anglos, saxões, lombardos, vikings e borgundios. Na natureza, Mandy, nada é completamente aleatório, tudo surge por uma grande necessidade (uma necessidade que, entretanto, até agora, nos está oculta e que apenas tateamos). Na minha opinião, o destino do Homem é reconstruir Roma por toda a Eternidade – neste ponto, minha cara, somos tão infantis quanto aquela criança de Heráclito que erigia castelos de areia na orla; apesar de seu esforço jesuítico, ninguém alcançará maturidade suficiente para contemplar este reino completo, perfeito e acabado, que você julga nos esperar no futuro. A Civitate Dei prosseguirá um sonho irrealizável, especialmente porque, em meu juízo, a divindade não caminha igual ao macaco, como vocês supõem, mas gira, roda, dança em torvelinho, flutua em círculos esvoaçantes, e retorna. O paraíso não é apenas uma visão! Ele não está parado no horizonte. O paraíso é real e se movimenta dentro de uma enorme cápsula cilíndrica manejada pela Natureza; e nela a Humanidade desfila rodopiante e inebriada tal qual uma hélice sagrada e inteligente, onde dança e estremece, geme e solta um murmúrio frêmito. Acredite, Mandy, o Éden não está desenhado em uma tela estática, previsto ou esboçado em algum livro santo; o Céu não está pendurado na parede dura do futuro: ele não é o sítio no Tempo e no Espaço onde nos isolaremos da Vida – o paraíso, ao invés disso, é o mergulho profundo e demorado no mundo, no que há de podre e santo na Vida. O paraíso, ao meu ver, é o próprio trabalho do homem de compor a si mesmo, a sua construção incessante; ele existe e impera, em uma escala flutuante e variável, dentro de cada ser. Em cada comunidade, vigora um grau particular de níveis paradisíacos; e, em cada mônada do universo, a parte luminosa da Natureza brilha e fulgura incandescentemente – sim, é lamentável, apesar de tudo, que a fração observável, o grau visível, curto e restrito, de nossa jornada, demonstre-nos precisamente o inverso e realce, por todos os lados, o impreciso, o inacabado, o imperfeito: talvez tenha sido este o truque, o golpe e o subterfúgio, que a Natureza encontrou – truque para o qual contribuiu a nossa crença nos sentidos: e porque acreditamos tão solidamente em nossas impressões momentâneas. Porque não pesamos adequadamente os nossos frutos, temos esta idéia niilista e desfavorável acerca do homem, e, como castigo, colocamo-lo a trabalhar (como se ele já não tivesse trabalho o suficiente!). Em um enigma:
Em verdade vos digo que o Homem é um sopro. Não tocarás com as mãos jamais naquele que sopra.

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