segunda-feira, novembro 07, 2005

[o artista desesperado]

preferia ficar calado – é um sintoma da época –; porém, é demasiado feio que uma estátua não queira ir além de si mesma. o mutismo tornou-se uma condição intolerável. portanto, vou cantar! cantarei com a minha boca suja; embora possa desafinar, ou ser o canto demasiadamente esganiçado. é preciso entretanto levantar-se uma voz! e liberar um grito profundo e fervilhante da alma, a ponto de arrebentar os próprios intestinos, o pâncreas, o estômago e toda a constituição orgânica.
outrora exigia-se do ser o infinito, numa tal profundeza e amplitude, que fora impossível animar-se para a ação. deixava-se o tempo fluir, observava-se a natureza naufragar no espaço incógnito, ao encontro de um cemitério onde sepultava-se os ossos sem dispêndio de energias. é insustentável permanecer sob esse estado! estamos agarrados à cadeia da sobrevivência, contemplando o fluxo de nossas vidas mesquinhas, como filhotes às tetas da mãe.
é preciso soltar um grito capaz de romper o silêncio sepulcral que paira sobre nossos cérebros podres; quebrar o invólucro e a máscara de nossa apatia confortável. que se quebre de uma vez com a monotonia e a comodidade! que se ponham em movimento crimes bárbaros e hediondos, mas que não se mantenha esse pacto deprimente de não-violência. não existe mais lugar para beatniks – para bêbados zens contemplando a ínfima alegria e a felicidade transbordante de um átomo. não! é chegada a hora dos incendiários, dos discípulos loucos e maníacos de Nero.
que se mate, eu digo e repito! que se perpetre o assassinato como um direito nobre e tradicional à vida! é a dor o solo primitivo de nossa grande alegria. não há mais como sobreviver detrás das grades de nossas jaulas. é tempo de explodir esse campo de força colorido! eu clamo à pirotecnia do espírito! há de se derramar sangue sobre a terra para que o ciclo inominável da vida seja outra vez desejável. eu prego a apostasia geral; prego a derrocada de todos os conceitos idolatrados: um novo e revigorado crepúsculo dos ídolos para que se sorria com entrega e loucura - uma vez que a loucura, hoje, é infinitamente preferível à sanidade mental.
rompamos os invólucros de nossos consultórios! levemos ao cadafalso nossos analistas! é um apelo que eu faço aos seres criativos deste planeta que se agitam inconformados, depressivos e mórbidos em suas pequenas jaulas. saiam seus covardes assassinos! saiam de suas câmaras sombrias! tomem de assalto estas ruas lúgubres que se transformaram em um imenso deserto. fujam de seus matadouros de si mesmo, de seus açougues cotidianos, para morrer à luz do dia. não, isto não é um manifesto. isto é um basta! isto é DESESPERO! o pior desespero existente. é a vontade louca que precede a queda no abismo, é a dança agonizante à beira da cratera. amigos! ergamos nossas casas à beira do Vesúvio! - ele despertará sobre nós, a beleza irromperá em nossos corações de aço! eternizaremos belos e divinos corpos sobre a planície do Tempo! fruiremo-os da abóbada, deitados ao comprido, como deuses pendurados nos céus...
precisamos educar a ânsia indescritível a agitar nosso Ser. não extingui-la! não permitir a morte do fogo! emerge uma piromania desenfreada? uma vontade de viver como a um passo da sepultura? chame-se a isso de futurismo, tal missão eterna e inabalável!

***
E assim como se pode proceder com a Beleza, e com a Estética em geral, também pode suceder com todos os demais conceitos: poderíamos, se houvesse força o suficiente, queimarmos todos os velhos livros, ocultar todo o passado da humanidade sob uma imensa labareda de fogo. Somente a criação então seria uma força positiva, e nada seria menos desejável do que uma memória prodigiosa. A atmosfera de mofo de nossa geração requer uma imensa e excelsa fogueira – tal é a única salvação da Arte; qualquer comportamento diverso propagará o esforço histórico, e sempre em prejuízo à originalidade: presos ao passado como a uma dívida impagável. Avante, já que somos nós as rosas do porvir!

3 comentários:

Anônimo disse...

me emocionei... =~|

Anônimo disse...

Te quero, com todo o suor negativo, afastando o que eu sei, petrificado na estátua de onde queres fugir. Quero homenm em homem, e, por não quereres, transformas o fato em mais delírio e substância de literatura.

Anônimo disse...

Fazia um tempinho que estava afim de verificar a riqueza do seu blog e não estava enganada...
Estou surpresa e extasiada com seus escritos!
Em apenas um adjetivo: Brilhante!
Beijos da Bru!