tag:blogger.com,1999:blog-186440302024-03-07T13:48:20.388-03:00Laboratório Literário-¡Cread y compartid!-Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.comBlogger37125tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-67643829136058131312010-02-22T17:28:00.021-03:002010-02-27T06:27:52.135-03:00[sobre o zumbi apaixonado]<a href="http://vidanamadruga.blog.terra.com.br/files/2009/06/zombie.jpg"><img style="text-align: center;float: right; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 10px; margin-left: 10px; width: 242px; cursor: pointer; height: 270px; " alt="" src="http://vidanamadruga.blog.terra.com.br/files/2009/06/zombie.jpg" border="0" /></a><div align="right"><span style="font-family:times new roman;"><em><span class="Apple-style-span" style="font-size:x-small;">"E havia o sexo, em tudo, confundindo todo mundo, que nem a fome. Ele criava saudade, ele criava ambição, competição, ele levava pessoas a deixarem suas casas e inventarem automóveis, naves espaciais e bomba atômicas, quando podiam, em vez disso, ficar sentadas no sofá até morrerem. Paixões animalescas. Necessidades inconscientes. O sexo fazia o mundo girar."</span></em></span></div><div align="right"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"><i><br /></i></span></div><div align="right"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"><i><br /></i></span></div><div align="right"><span style="font-family:times new roman;"><em><span class="Apple-style-span" style="font-size:x-small;">"Isso tudo já era. O sexo, antes uma força tão universal quanto a gravidade, agora é irrelevante. Ambição e saudade não são mais parte da equação. Meu pênis caiu há duas semanas."</span></em></span></div><div align="right"><strong><span style="font-family:times new roman;"></span></strong></div><div align="right"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"><b><br /></b></span></div><div align="right"><strong><span style="font-family:times new roman;">MARION, Isaac. Eu sou um zumbi apaixonado<br /><a href="http://vidanamadruga.blogspot.com/2009/07/eu-sou-um-zumbi-apaixonado-traducao.html">http://vidanamadruga.blogspot.com/2009/07/eu-sou-um-zumbi-apaixonado-traducao.html</a></span></strong></div><div align="right"><strong><span style="font-family:Times New Roman;"></span></strong></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"><br /><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify">o conto é meio mórbido, ainda que seja esperançoso. ele supõe que o amor, a liberdade, a paz, etc., só alcança sua plenitude quando reprimido o impulso sexual no homem. é uma denúncia a céu aberto contra o corpo!... não é gratuita, portanto, a escolha dos zumbis como <i style="mso-bidi-font-style:normal">leit motiv</i>. o definhamento do impulso sexual representa o triunfo do espírito (em detrimento do culto da carne celebrado por ora em cada mônada do nosso universo). a propósito, só uma ruína devastadora - as cidades ardendo, os homens mutilados, vítimas do canibalismo e da autofagia, o retorno ao pó bíblico! - devolverá uma improvável paz ao infatigável e insaciável apetite do homem. e ele cava até o esqueleto, até a medula, para que a verdade possa refulgir intacta, sob uma luz solar. propõe ser a serenidade uma virtude descarnada e etérea. e, tornado pura energia cósmica, descansa em seu leito meio tedioso, com o estômago empanturrado. no pano de fundo, move-o o adágio de que após a tempestade colhe-se a bonança. etc.! mas o homem, permita-me discordar, é uma ponte! ele é o eterno miserável flagelado com a língua de fora. são a incompletude e a ausência suas substâncias mais próprias. não se pode exigir ao homem que não queira, pois seria o mesmo que ordenar ao vento que não vente. reformar o homem é algo delicado. sei lá, esse idílio de anjos castrados é uma história meio fantasmagórica e realmente assustadora; e é uma moléstia antiga esse desejo enraizado no coração dos infelizes e mal logrados por um paraíso pálido e frígido cheio de eunucos bocejando e abanando o <i>nada</i>, e frio cortante de deserto congelando os tímpanos. não creio que reprimir sumariamente o elemento sexual seja uma boa saída. porém, um olhar mais sinistro ao nosso futuro!... devemos ampliar a tensão destrutiva no homem e fomentar um apocalipse pra que a roda seja recolocada em seu ponto de partida. não vejo saída além da catástrofe e da hecatombe. e isso pode acontecer só no âmago do indivíduo – talvez no plano celular! atômico! –, sem implicar numa convulsão social. as cidades não precisam virar uma imensa bola de fogo.<br /></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span class="Apple-style-span" style="font-family:georgia;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">*</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman'; "> essa aura edificante esconde aversão e nojo ao homem; sei lá, para o desavisado, isso pode ser romântico, utópico e desejável, o que não altera em absoluto seu caráter misantrópico; é que, desde o domínio das idéias semitas, outro tipo de mundo passou a prevalecer sobre este mundo existente, um mundo, digamos, antinatural e impossível, no qual o melhoramento do homem foi identificado com a sua domesticação e onde a felicidade suprema coincide com a resignação suprema. e esse pensamento torpe peculiar a escravos, que teve sua semente cultivada na Europa primordialmente pelos estóicos, e tornado dominante pelo cristianismo, consolidou-se de uma forma extraordinária, envenenando e corrompendo as almas sadias (com a inoculação da má-consciência), pois os escravos, em todo o lugar, compõem a imensa maioria do estrato social. relatado em pormenores, iluminando com a lâmpada fria da história as baixezas e traiçoeiros golpes de intelecto engendrados para a consecução dessa obra, isso tudo se assemelha a delírio ou a um pesadelo tolo; porém, os artífices desta perfídia, como os anõezinhos de Gulliver, costuraram com firmeza e tenacidade os cordões desta camisa de força mental que aprisiona o nosso ímpeto e nossa valentia dormentes.</span></p><p></p><p></p></span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-74053981153954645252010-02-15T02:05:00.041-02:002010-10-14T17:19:06.506-03:00<div style="TEXT-ALIGN: justify"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'Times New Roman';"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;">e, logo, literalmente em chamas, faiscando no vento, espremendo os olhos e enxergando tudo meio que através de um plástico enrugado, de uma vidraça, ou de uma cortina translúcida e esbranquiçada, e, sei lá, emergindo do nada, lembrei de uma borboleta com enormes asinhas azuis fosforescentes presa no pára-brisas se movendo como um pêndulo, e que devia estar suspirando, sob a chuva suave e triste, sobre o capô negro do carro deslizando maciamente no horizonte infinito, meio inabarcável, de um promontório tenro regurgitado por uma cratera no céu tipo um ânus enevoado, uma nebulosa de gás, onde, no cimo friolento, mijei faz dez anos tentando enxergar o oceano longe ribombando contra as rochas, no primeiro dia em que me senti repelido pela humanidade, um estrangeiro forçado, ou um exilado inocente; e eu lançava o rosto para fora da pobre janela poeirenta sentindo uma brisa morna se chocar aos meus ouvidos como uma borracha mole e, num estampido mudo, como o estouro abafado <i>plouft </i>de uma rolha, mergulho na mais profunda e fria <i>tremilicante</i> melancolia como um homem-caranguejo engatando marcha-ré no tempo, como apnéia aquática imbecil e suicida no terraço - as derradeiras nuvens no céu dançando antes do céu se escurecer -, ou respirando agitado-ofegante como um piolho semisubmerso como uma mola na água que parece querer afogar na piscina visguenta feito lodo do passado, nadando ao reverso, contra a correnteza devastadora engolindo tudo cheia de espuma rugindo inelutável e definitiva, e olhando pelo retrovisor embaçado da memória só e triste; e o cair da noite cinzenta, no meio da rua suja e ruidosa, me faz lembrar</span></span><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><em><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">en passant</span></span></em><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">dos porres santos em floripa - santos! santos! santos! - caindo no chão por um facho de luz débil, eclodindo como holofotes se esgueirando no solo, e cenas inesquecíveis como eu e o gio no inverno no canto oculto e escuro de um bar nos conhecendo com os cotovelos escorados numa mesa de madeira horrível, e cinco noites ébrias oníricas consecutivas em que esvaziamos o</span></span><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">congelador</span></span><span class="apple-converted-space"><i><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> <span style="FONT-STYLE: normal" class="Apple-style-span">e todo o estoque de cerveja choca <span class="Apple-style-span" style="font-family:Georgia;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">de um bar (assombrando, de verdade, o dono!), e, como um dos piores bêbados trôpegos do mundo, fiquei confinado sem razão no banheiro sufocante de um apartamento, urrando em silêncio, sentado no chão frio e duro, e martelando vagamente a cabeça na parede (os olhos febris e epilépticos-revirados fixos no teto de onde pendia um globo triste fazendo</span></span><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><em><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">nhec</span></span></em><span class="apple-converted-space"><i><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></i></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">em seu ir-e-vir imutável), etc. e, logo, a alma se enegrece absorvida por um tumor medonho; a visão se turva encoberta por uma neblina espessa que devagar vai se diluindo como um trago de maconha subindo e desaparecendo no céu; e lanço murros ingênuos no vazio como bandini pugilista no mojave esbofeteando a ossuda face do Tempo. e vou adiante, deambulando meio errático, e, num bar, no sopé do morro como um túnel, tomo uma caneta por empréstimo e escrevo sobre esse guardanapo horrível, lastimavelmente sentado, incógnito e quieto no fundo do bar deprimente, esfumaçado e claro como a lua, e escrevo essas idiotices lúgubres e mortas com caligrafia horrível e contendo as lágrimas. "ah, a difícil arte de a tempo ir-se embora!" creio que foi isso que nietzsche - santo! santo! santo! - escreveu sobre essa raça negróide de pessimistas, fornicadores da alma e morimbundos envenenadores da vida da qual eu hoje faço parte.</span></span><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><em><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">fora lamentações! fora elegias e réquiens!</span></span></em><span class="apple-converted-space"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';"> </span></span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">tudo passa como vento pela mente. zunindo! e, sei lá, é meio demoníaco, eu bem sei, e não sei porque me calhou vir isso à tona agora, mas se o diabo possuísse como um arremedo a voz santa da giulia me chamando pra jantar com aquele sonzinho inocente, doce, infantil, santo! na noite úmida e agradável! aquela voz sagrada se esvaindo com o vento! e torturando a minha mente rodopiante de bêbado, que quer girar e cair em delírio... ela está aqui comigo na minha ressaca de bêbado deprimido e desprezível como um anjinho beatífico me segurando pelas pernas fracas, caindo no ar que agora está gelado, com os seus cabelinhos encaracolados macios e perfumados (pelos quais eu deceparia essas mãos que escrevem)!. e, de repente, o gio retorna por um buraco no céu, sentado na rede, balançando-se languidamente como em sonho, na varanda, numa noite suave em que bebíamos um vinho forte e seco! (uma talagada de veneno! bendito seja três vezes!), com uma negra com quem eu estava fodendo na época, e que não lembro o nome, me confessando porque jamais viria a ter um filho ("cara, para você ter um filho, deve-se, pelo menos, ter uma opinião favorável a respeito de si próprio; crer que você seja algo digno de ser reproduzido, repetido; mesmo que o seu filho venha a se converter em algo totalmente diferente do que você é, o que vale é essa lógica meio que de espelho destroçado"). e eu acho que talvez nós devíamos ter forjado a respeito de nós mesmos o que cada um sentia pelo outro, etc., e esse papo meio que fraternal e, no fundo, idiota e infrutífero. ah, dane-se! por que eu estava sentado no meio da rua cuspindo nos próprios pés sob a noite enluarada? (por que eu sempre tenho que chorar quando escrevo? por que eu não posso continuar? nunca. nunca. nunca.) a resignação é chave de uma paz doentia desencarnada. <i>você sai na alegria e na tristeza retorna</i>, eis a verdade.</span></span></span></span></span></span></i></span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-68299719217407761662010-01-19T19:12:00.017-02:002010-02-06T11:39:47.307-02:00<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style=" ;font-family:'Times New Roman';"><span class="Apple-style-span" style="font-size:small;">doente carrancudo caminhando cabisbaixo como se o queixo fosse uma bola de bilhar de chumbo reluzindo em um beco frio e solitário sob uma nuvem noturna cinzenta diáfana se dissipando em direção ao sul, e cada carro é uma faísca ondulando como corrente elétrica, relampejando e engolindo a estrada como uma mandíbula enorme, vendo deprimido a velha e triste moradia de um amigo onde, na infância tenra e doce, brincamos com jogos de tabuleiro sobre o piso da sala abaulado, sentindo o cheiro de mofo da madeira podre e molhada exalando das paredes, e o estômago embrulhado com o vômito balouçando em golfadas no vazio com o abominável odor e os jatos sibilantes de fumaça que partiam de um velho e decadente fogão à lenha meio caído, tenebroso, no fundo da cozinha decrépita e nauseabunda empurrando o teto baixo para o alto, e a mãe dele, uma velha gorda muito desengonçada e com um nariz inchado e gordo que lhe parecia ter sido jogado à face como um grande cocô de muar, nos dirigindo caretas réprobas nojentas, risíveis que dava vontade de explodir em uma gargalhada supersônica de fazer voar e sumir as moscas que esfregavam suas patinhas tortas sobre a casca de um enorme queijo roquefort dormindo em cima de um relógio verde que nem musgo tiquetaqueante vertiginoso e inverossímil, e pensar que esse meu amigo faleceu não muito tempo depois disso fazendo sua mãe torcer o grande nariz em prantos como uma torneira cartilaginosa, quando seu caminhão furioso tombou e rolou para dentro do poço eterno, igual a uma tarde quente, em uma primavera rósea e santa, em que caiu nosso carrinho de picolés no abismo íngreme da vila operária que era como a garganta de satã, fazendo sons tétricos e melancólicos como milhares de homens agonizando presos à gosma elástica e ranhenta de satã, degustando picolés incríveis que nunca mais existirão e indo vender os que restaram mais deteriorados e indegustáveis deles que só o louco e besta ubíqua do tobias poderia mesmo comprar, tirando dos bolsos de feltro cada níquel fodido que seu velho pai, bêbado-feliz e ciclópico velho caçador <i>a la mahatma ghandi</i> de avezinhas amestradas, havia espremido de seu surrado e sujo bolso com aquele olhar úmido, delirante e santo, que só os pais têm; e agora eu estava verdadeiramente amuado e caído como um anjo, pesando uma tonelada invisível, vendo tudo meio embaciado como numa viseira de escafandro, ouvindo um murmúrio <i>blorgh & blrurgh</i> ribombando e distantes bolhas maleáveis como gelatina saltitando no vazio, como uma esponja-cristal voadora mas submarina, e cada ridícula pedra levantada naquela cidade só me falava de morte e de dissolução, porque cada pedrinha foi minha quando criança, e elas não foram só coisas minhas, coisas que eu podia agarrar com as mãos e quando quisesse arremessá-las fora, tudo era <i>eu</i>, tudo era um fragmento e extensão sagrada da minha infinitesimal essência de aranha que era a mesma de <i>deus</i>; lembrando das manhãs de invernos congelantes, enquanto ía com o pulmão pleno de ar pra escola, passando na frente da casa dele, numa calçada cheia de tijolos esfumaçados lisos como sabão molhado, soltando baforadas de vapor que subiam pro céu cinzento se dispersando e esvoaçando como em um sonho, e ali na frente, no chão, por conta da poeira de gelo, era possível deslizar e patinar em cima dele, e ver o sol pálido se levantando bem na minha cara rompendo o nevoeiro pelo meio, abrindo um imenso buraco no centro pustulento do meu fígado como uma grande lanterna iluminando o subterrâneo da alma cheia como um pão, e tudo ao redor sendo esvaziado do crânio de <i>deus </i>como uma tragada de shisa profunda. ah, e quanto mais eu poderia cantar com essa boca de sapo! inundando de lama essas reminiscências fosforescentes como algas verdes e fosforescentes tremulando em vagalhões nas cristas tristes e soturnas das ondas do oceano, nessas noites cuspidas vivas pelo grande vento e que morrem em um lamento sorrateiro, em um uivo silencioso, e que aparecem refletidas nas lentes de uns óculos inesquecíveis que se apagaram para sempre quando eu era só uma criança; e um homem meio sorumbático com uns olhos cinzas e gélidos apoiado no espaldar desprezível da janela afundada numa luz azul fraquinha acompanha receoso e literalmente borrado o fluído de lesma pensante que desliza e emana como gás pelos meus ouvidos e se funde com o ar denso flutuante soprado como uma flauta através de uma fissura no chão rachado, ávido e insaciável, se abrindo sob os pés e exibindo pra fora os seus dentes escarlates sangrentos que durante eras abocanham homens, plantas, aranhas, elfos, arranha-céus, e tudo o mais, e que para nada vão permitir remissão, para nada concederão trégua, com sua máquina devoradora de mastigar coisas e idéias, pondo fim e esmagando o desfilar oco e desolador de milhares de gerações perdidas, e que arremessará num imenso cesto de lixo, depois de mastigá-los como chicletes, esses supostos anjos esqueléticos e anêmicos com cara de defunto nos bares, brandindo suas caveiras suspensas por um instante da grande centrífuga eterna como a bolinha girando no ar sobre a roleta, embaixo, aguardando com seu estômago flácido de baleia pronto para triturar e moer os seus ossos virando uma pasta pardacenda, etc, etc, etc, e, de repente, galgando os quarteirões quadrados de cem metros por cem metros, como um sonho de gêometra, cada edificação me relatava uma história de dor e êxtase, surgindo de uma fenda em um céu de cartolina parda, por uma mão enluvada avulsa sem braço, e cada célula escura como carvão bruto era dotada de eletricidade brilhando e espoucando no céu como uma estrela, atravessando e arrebentando o tempo através de uma membrana translúcida fina tipo uma placenta, como um plástico viscoso enrolado na cabeça de um garoto que se suicidou (cuja infelicidade me foi contada para amenizar o sentimento impronunciável e indescritível da morte do gio que está sempre ardendo e sangrando o meu coração)<br />etc.</span></span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-68565029039366123002009-05-30T17:45:00.005-03:002010-07-03T21:29:01.076-03:00[rosário infantil]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">(num sonho iluminado) com os olhos semicerrados pelo estreito túnel, a passarela que une a ilha ao resto do continente, de onde se podia inalar merda e sentir o cheiro do oceano, lendo nos lados meio triste os enigmas e diagramas regurgitados no muro, as exortações excitadas estéreis e ingênuas à revolução social impossível, as trêmulas e desesperadas e ridículas declarações de amor (caquéticas!), e tudo mais um pouco sem esmero, etc., toda esta rebeldia ingênua e suicida da juventude – e romântica! –; e onde é impossível não desejar cair no oceano como um alfinete e desaparecer nas profundezas, inundado de água por todos os poros, e tentar, lá embaixo, ver os rostos de todos os entes queridos que viraram pó e dos fantasmas do passado que nos mordem a alma com seus dentes de chumbo, e falar com eles num idioma feito de bolhas e gestos lentos estourando contra o turbilhão de ondas submarinas, um balbuciar mímico morto no silêncio em meio ao caos espectral, e dizer tudo o que devíamos ter dito alto enquanto ainda estavam vivos e respirando, e recitar um tomo inteiro de poesias desesperadas que estão ardendo confinadas nos nossos cérebros, e jogar pra fora num ruído inaudível todo o lixo degradável e podre que está nos comendo como um câncer, com um grito tonitruante e potente como um dínamo estrelado que vai morrer no silêncio puro, um grito que está enterrado como uma medula seca em nossos ossos, que não liberta, porém, alivia e esfria um pouco o caldeirão borbulhante e insuportável do nosso vazio, forjando uma frase perfeita atrás de outra, vê-las explodindo e se chocando contra o papel como uma bola de fogo, destampando o cérebro debaixo da sombra de uma nuvem cinzenta e fria, e ver a terra devorando e engolindo os arranha-céus com sua garganta sagrada, e o vento devastando os monumentos e estátuas e símbolos arcaicos da nossa civilização espiritualmente atrofiada e mórbida, etc., uma história própria que parecesse digna de ser escrita e conhecida, lida, incorporada, repetida, copiada, espelhada, refletida, por todos os homens e por todos os animais e vermes rastejantes que oscitam sob o sol, suprimindo toda a suspeita sobre o caráter horrendo e a fealdade do mundo, uma idéia que está caindo no esgoto; e descortinar a barreira de ferro que nos impede de dar o próximo passo pra frente, e levar esta mensagem ao mais recôndito buraco, repartir o pão com os huguenotes, os persas, os sumérios, os amonitas, os eleatas (etc.), em todas as épocas, uma foda <i>transtemporal</i> entre os povos, escrever na luz azul o surgimento de uma palavra, o fim de uma era de entorpecimento, o levantar da cama do século XX(I), o banho santo de um vulcão furioso, como um rio de sêmen vivificante, fazendo ressoar como música no ar aquela matéria ígnea morta e inerte, preguiçosa e lânguida como barro no fundo do ser, jorrando como um gêiser essa porra seca da mente, e andando com os pés cheios de sangue sobre o chão nevado, fissurando e derretendo a camada de gelo fino que se alonga como um lago cristalizado no meio do deserto, e o sonho de ser um homem ilustre escoando pela privada como um cocô obsoleto, fluindo, desaparecendo, deslizando para dentro da Criação, como se estivesse se fundindo ao plano, à natureza, etc. e a ísis surgiria de dentro do crânio de um arcanjo exibindo seu torso desnudo e serpenteando seus braços como um deus indiano içado do Ganges esparramando amor sobre a terra, borrifando jovialidade e sarcasmo de dentro dos seus pulmões, como quando eu fecho os olhos bêbado sentado no chão cheirando flores, e o gio cantando tristemente o kaddish em cima de um túmulo sórdido (o calor indescritível subindo dos esquifes repletos de ossos esquecidos) - e cimento velho rachado e fosco -, com arbustos sujos da altura de um homem, saltitando nas lápides, lamentando os irmãos e indigentes perdidos em manicômios, sofrendo choques elétricos, amarrados por tiras de couro em leitos deprimentes, doentes, caídos em desgraça, derrotados, murmurando para o teto no topo de seus cárceres um sopro de clemência, de serenidade, uma pausa na máquina de vomitar fatos, tudo isto para poder contemplar a obra imóvel e eterna que paira na consciência do Buda, e vendo o leo arrancar do seu ânus fumegante um poema latino remoto (com seu hálito de vinho barato adquirido a duras penas com seu ordenado miserável de guardião dos livros) discorrendo sobre nossa ruína moral, nossa desordem política, a decadência de nossa arte, e nossas profecias e sonhos impuros virando excrementos no tempo, soterrados nus na torrente dos fatos que se sucedem e rodopiam vertiginosamente como um tipo de droga paralisante penetrando nas narinas, e mitigando o frio sentimento de perplexidade do indivíduo, só no centro da maquinaria como um pernilongo na cerveja choca, perdido no meio da fumaça das fábricas, subindo ao céu plúmbeo desmaiado do inverno, vendo a triste estrela do oriente calmamente se apagar e desaparecer ao raiar da manhã, e descendo, na sombra das aléias verdejantes, em um rio miserável que ruge e corta em dois pedaços grandes a cidade onde eu nasci, assombrando-me para sempre, e onde o joca empunhava um cajado como um pastor velho e sábio ou um dos doidos desbravadores e assassinos de civilizações meio hernán cortez, e nós o seguíamos peregrinando e roubando frutas, escalando montes cheios de terra dura que grudava nas botas só para pôr os olhos cansados no panorama pálido de inverno da nossa pobre cidade, ver os velhos esqueléticos deslizarem como formigas para o interior dos bares fedidos, como magnetismo amaldiçoado, escarrando no solo pedrinhas duras oriundas dos seus pulmões e delirando ao beberem os seus venenos para o fígado, morrendo como moscas eletrocutadas em uma luz púrpura; e, no topo gelado dos montes, víamos coelhinhos brancos como as nuvenzinhas do céu voarem e submergirem nos arbustos e se enlearem nas sebes densas soltando guinchos suaves que morriam no espaço e confluíam em espirais invisíveis ao peito de Buda, e ficávamos na névoa suspirando e esperando o orvalho cobrir as folhas ao entardecer, com a mente conectada ao cosmos contemplando o sol do crepúsculo definhar fracamente, até descermos o monte com o frio penetrando nossos ossos e o sangue congelando nas veias; e no início da noite, indo contra o vento cortante para o casarão obscuro caindo aos pedaços, onde, na soleira da porta, pelo vidro embaçado, eu enxergava mamãe exausta preparando o jantar, decifrando-a no meio do vapor quente espargido da frigideira, com os olhos brilhantes, recebendo-me de soslaio com afetuosidade e compreensão, enquanto papai cofiava o bigode negro e espesso ante um cálice de vinho, com o pensamento longe, num cômodo mal iluminado pelo lustre sujo e empoeirado – ah, prenhe de futuro! o futuro se abrindo numa torrente vertiginosa; e o único empenho que se exigia de mim, o mais difícil e crucial de todos, consistia em liberar os meus impulsos, dar asas aos meus cavalos, e fundarem, no meio desse caos, a base do comando perfeito da natureza, da <i>profundis natura</i>, e aguardar com paciência, como um sortilégio, o meu justo lugar na escala dos seres; afastar-me, de todos os modos, de subordinar o meu destino, de apagar os meus dotes, de sufocar os meus anseios, em nome de qualquer idéia, de qualquer instituição, de qualquer homem: eu só obedeceria ao que a natureza ditasse como um X guiado pelo cheiro. e, na noite profunda, titia tomada pelo câncer, ofegando e murchando, e nós prostrados ao pé do seu leito, orando e rogando na penumbra para que fosse poupada do sofrimento e vivesse em paz, com os olhos fundos e o cenho franzido, invocando a clemência mais profunda, a piedade mais doce e sincera que um coração poderá conceber. em vão! deus é uma calopsita defecando no sofá; é um viciado apertando um baseado à meia luz – vibrando o monocórdio drama da aniquilação suprema com seus dentes amarelos: pobre homem, com a boca repleta de espuma, rodando como um cão ao redor do próprio rabo, caindo na desgraça, entoando só o urro dos moribundos.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-22479340538667836812009-03-17T17:42:00.029-03:002010-10-15T20:38:58.364-03:00[ísis]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">eu estava sentado em um caminho de madeira refrescando os pés na água, olhando as gaivotas planarem em vôos rasantes sobre a lagoa calma e imóvel, e pensando por que diabos estava eu ali tão longe e tão remotamente só. enxuguei os pés para calçar os sapatos e levantei esfregando as minhas calças que estavam imundas e ásperas. era uma calça jeans de um azul claro velha e gasta. o chão estava totalmente salpicado de areia e formava uma enseada meio inverossímil em plena margem da rua e lhe cingia um contorno delicadamente fantástico. errei para cima e para baixo um pouco perdido e estonteado à procura de um bar no qual pudesse permanecer anônimo e sem ser perturbado por ninguém. escolhi um bar amarelo com uma mesinha vaga no fundo que, a despeito de ser bem movimentado, jazia completamente escuro e apagado entre uma série de outros bares deprimentes com letreiros em gás neon. suas paredes ainda cheiravam a tinta fresca. percorri o cardápio com os olhos, entretanto, estava alheio e sem fome e só desejava beber um bom trago. deixei o pensamento voar longe e desconectar-se da realidade; os braços pendiam, caídos, mortos e pesados sobre a mesa dura e fria; o olhar fixo e opaco, concentrando num ponto longínqüo. o gio veio de bicicleta. </span><span style="font-family:times new roman;">logo, ficamos ébrios e meio deprimidos. refletimos melancolicamente acerca de nossas vidas inúteis; sobre o destino ridículo e mesmo incompreensível que tivemos, em que fomos ultrapassados e superados, em todos os quesitos, por seres que, segundo nosso juízo, eram ínfimos e repugnantes, cujo <em>sucesso</em> era obra da boa consciência da sociedade, um tipo de prêmio à moralidade. nossos sonhos tinham morrido! sim, nos convertemos em párias e canalhas, desprezando e cuspindo na cara da sociedade - num gênero <em>só para raros</em>. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">a noite desceu por completo. tínhamos que voltar para a costa e o próximo barco era o último. andamos até o barco enfrentando as luzes esbranquiçadas dos carros e, com medo de perdê-lo, chegamos uma hora adiantados. sob os postes, com uma sonolenta luz alaranjada, erguia-se o píer. lá havia toda a sorte imaginável de desajustados esperando para serem transportados para casa: trabalhadores fedendo à peixe; mulheres levando no colo criancinhas pálidas e inquietas, jovens selvagens loucos para vomitar, e velhos com o tédio colado na fronte, etc. exalava um fétido e insuportável odor de algas. a superfície da água parecia grossa e pardacenta. dane-se! era o único meio de retornarmos. a alternativa restante consistia em caminhar quatro quilômetros por uma vereda aberta na margem lateral da lagoa (o que, por evidência, rechaçamos de imediato). assim, o gio encostou a bicicleta em um muro e adormeceu. eu pedi para uma senhora negra que me parecia tristemente simpática e humilde para nos avisar no momento em que o barco fosse zarpar. enquanto isso, tive um excelente sono no chão gelado. a esta altura, o calor havia se dissipado e o ar era macio e azulado. a senhora negra nos alertou e subimos ao teto do barco onde se amarravam as bicicletas. abaixo, sob o teto ou na borda do barco, todos se espremiam sentados como pulgas. a noite estava incrivelmente agradável e sem nuvens. o reflexo da lua boiava na água tênue e plácida da lagoa delimitando a área observável na escuridão. na orla havia raras casas penetrando o breu espesso com uma pequena lâmpada opaca na floresta densa. sonhávamos olhando pro céu frio, deitados com as costas no teto de madeira do barco, quase a levitar suspensos por uma cama de fumaça, inalando um aroma de incenso que boiava em círculos, expelidos por turíbulos de prata que oscilavam e balouçavam-se sobre os nossos crânios, em um silêncio pavoroso unicamente interrompido pelo choque constante das ondas. e posso jurar que a ísis estava lá, em algum lugar do céu, na noite estrelada, como um arcanjo iluminado derramando seu amor e sua graça em cascatas que jorravam de dentro dos seus olhos e desciam direto ao nosso pobre chão rachado. então subitamente o gio saltou produzindo um estrondo no assoalho e com uma manobra brusca fez o barco parar. e, quando descemos no posto 8, ermo e desolado, com um sentimento estranho e inconcebível de solidão e plenitude, na rampa do trapiche, ou monte acima, no barro e na trilha fechada, eu ainda sentia que ísis estava ali sussurrando e lambendo o meu ouvido com seu hálito doce e perfumado.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-32013617771489987942009-03-13T15:18:00.006-03:002009-05-31T11:26:33.017-03:00[avant la haine]<p align="center"><span style="font-family:times new roman;"><em><iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dw4iRH43DhwbOD4hfP0ylpoOmsC4SX3UN2gMMNp--rowQwQk35l3muel_Bgtms2QR3kzMxRy7YWjvk' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></em></span></p><div align="right"><span style="font-family:times new roman;"><em></em></span> </div><div align="right"><span style="font-family:times new roman;"><em>- Dans Paris [Em Paris], do diretor Christophe Honoré. -</em></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">isto é ao que eu chamo de Arte!... a raras obras posso classificar o filme como pretexto à uma só cena; como um contexto pálido composto para o apogeu comovente condensado em um intervalo. uma escalada aos céus! não há como não arrepiar os pêlos! - e não soltar uma lágrima cálida. eis um filme que me surgiu ao acaso: e para o qual permaneci totalmente despreparado. uma fortuna aleatória! quando rumei hoje cedo para o depósito, um pouco triste e melancólico, sentado em um ônibus sujo e recitando mantras, parecia ver alguém através dos vidros empoeirados, do outro lado da linha de telefone imaginária, sob os delicados vapores da manhã encobrindo o sol pungente, diluindo as nuvens baixas, recordando essas imagens inexprimíveis que parecem espargir sonhos fumegantes, embriagar a mente com gim - a arte é a bela petrificação da alma -, e que têm o mesmo som ao de uma noite em que minhas lágrimas frias caíam em um copo cheio d'água na penumbra. só o amor possui tal esperança sombria: que subtrai o horror inevitável pelo sentimento sublime; só o amor é esse puro heroísmo ante a tragédia, e antepõe a paixão ao inelutável, levando no dorso a <em>bela morte</em>. eu sussurava <em>non, je t'embrasse et ça passe... - </em>perdido no zumbido dos automóveis - e um murmúrio morria no silêncio do ar tépido (como um trem penetrando um túnel).</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-37468345289370566732009-01-26T23:09:00.008-02:002009-01-29T16:16:25.820-02:00[mi próximo movimiento]<div align="right"><span style="font-family:times new roman;">"voy a subir al techo a ver,<br />a mirar el desastre<br />bajo la luz de la luna gigante.<br />e</span><span style="font-family:times new roman;">llos lloran abajo del árbol,<br /></span><span style="font-family:times new roman;">arriba del árbol,<br />detrás del árbol<br /></span><span style="font-family:times new roman;">tuve miedo pero ya se fue.<br /><em>a</em></span><span style="font-family:times new roman;"><em>hora estoy arriba de mi casa con un rifle.</em><strong><br /></strong>haré mi próximo movimiento."<br /><strong>* El Mato A Un Policía Motorizado<br /></strong></span></div><div align="right"></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"><br /><br />é impressionante a força e o lirismo emanados por "El Mato...". uma música como esta perturba qualquer indivíduo e o deixa estático e sem palavras. quando eu cruzava os antros de porto alegre meio bêbado jamais tive um vislumbre propriamente profundo inspirado pelas bandinhas tristes que aqui são ovacionadas. no extremo, permanecia imóvel em contemplação, deprimido e decepcionado; porém, sem mergulhos e sem poesia, seco e literalmente sugado por um aspirador de serragem. com os argentinos do "El Mato..." há algo completamente diferente! - como se eu fosse lançado no fundo de um oceano - e de lá pudesse enxergar algo real sobre as coisas, rodeado de um silêncio profundo e absoluto, vivendo só na <em>mente</em>, ou sutilmente interrompido por um zumbido distante, longínqüo, como o som de um diapasão oxidado, um ruído contínuo e abafado vindo de fora do tempo, ou, sei lá, de um local ermo e perdido que existe, sempre existiu, desde a eternidade e os primeiros símios, mas para o qual estamos terrivelmente surdos. acho que é uma sensação de harmonia total. eu sinto que sou um átomo dormente reduzido a pó, e, enterrado no colchão, eu miro o teto do meu quarto, quase levitando, em um estado flutuante e esplêndido, e posso enxergar através dele, atravessar todos os apartamentos assentados sobre o meu teto, e penetrar todo o firmamento e ir além dele, caindo com as estrelas; ou então eu observo inerte a paisagem pela janela e tudo fica subitamente escuro e pacífico, o breu profundo mais aprazível que alguém puder imaginar, e posso ficar mastigando por dias inteiros esta goma do <em>nada</em>, e soprando bolhas invisíveis que explodem no ar e emitem um <em>ploc </em>murmurante. eu não sei se isto é elevado, divino, ou qualquer coisa que o valha, mas particularmente creio que seja a experiência mais agradável que eu já tive com a arte depois de sonhar com nietzsche dançando com deus.</span></span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-47794469091869670552008-10-17T19:46:00.008-03:002010-02-06T12:56:05.150-02:00[o fanatismo]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">com muitas razões nobres e princípios sagrados adornamos a prática do assassinato em todos os tempos. a história da verdade é uma longa sucessão de homicídios e rituais de trucidamento. enquanto as gerações se sucedem, aumenta excepcionalmente o rastro de sangue. a arquitetura macabra de cemitério, de túmulos e tumbas corroídas, é a culminância e consumação da história. é muito comum, ao longo da história, surpreendermo-nos, da língua de nossos ídolos, ofensas como </span><span style="font-family:times new roman;"><em>queimem, bruxas, no fogo demoníaco do fundo do inferno!; ordálio a vós, falsos cientistas!; guilhotina aos traidores do povo!; apedrejamento em praça pública para sacerdotes do diabo! difamação! difamação!... </em>e tais ofendidos não raramente constituem uma nova casta de homens faróis, uma estirpe que servirá de lume à geração que aguarda na semente. suspeito de todos os <em>grandes humilhados - </em>se um<em> </em>homem vê a necessidade de provar a verdade amarrando-se em uma corda, aí já há muito de questionável, de <i>intenções</i> secretas, de astúcia subterrânea - embora esteja normalmente pronto a segui-los por suas trilhas fechadas e a subir com eles suas montanhas inverossímeis - talvez pelo <i>prazer </i>existente nas trilhas fechadas e no ar das montanhas: jamais pela <i>verdade </i>mesma. só os que os seguem saberão que lagos gélidos e belos jazem debaixo da névoa cinzenta que cobre os vales - é preciso tirintar de frio para enxergar a <i>verdade</i>! seus sermões inflamados são como um pequeno orifício onde atrás se acumulam ocultas muitas maravilhas - existem olhos para tais prodígios? sobraram narizes sadios para suportar tais fendas? e, se puder compor uma fábula a partir disso, digo que não é necessário, e tampouco sábio, impressionar-se com os grandes vultos, com as grandes sombras ou grandes explosões de estrelas na noite. para nós, ainda vale aquela antiga divisa grega, surgida sobre o vacilante alçapão da dúvida, que exprimia a verdadeira educação para a filosofia: <i>nil admirari</i>. isto deve estar escrito à nossa porta quando saírmos de casa.<br /><br />[engana-se quem vê na morte o eterno cambiar de homens no tempo. a história da morte é o enredo invisível sangrento da dizimação de idéias - de embriões mentais! isto é uma luta contra um tipo de aborto que valeria a defesa. mas é isto mesmo: é aqui a natureza - sempre! - que reina. para cada expressão, para cada ninharia do destino no vento ser percebida, resvalada, notada, para cada soluçar do espírito se fazer ouvir, uma incontável - inexprimível, inconcebível, vertiginosa! - série de <i>possibilidades</i> são mortas sendo destiladas no útero, como uma guerra prévia na porta do que intuímos ser o <i>acontecer</i>. tudo - coisas da qual jamais se ouvirá falar! - <i>ocorre, ocorreu e ocorrerá </i>movido por uma filigrana <i>imperceptível</i> que sopra o universo (pra onde?! pra quê droga de fim?!), sobre a qual não podemos nos referir sem utilizar aspas. boiamos em um mundo de fantasmas forjados pela nossa arte incorrigível de generalizar. não existe nada que não tenha ultrapassado a grande vagina do Tempo. no entanto, o que é este maldito soprar?! será possível que não desabemos na crença?! não é verdade então que, em círculos, retornamos sempre ao pó?!]</span></div><div align="justify"></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-74903235582374365252008-09-24T22:43:00.008-03:002009-11-03T21:32:07.764-02:00[a desolação]<div align="left"><span style="font-family:times new roman;">oh, <em>vaga</em>, lança outra vez este filho à terra!</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">de onde jamais haveria de deixá-lo livrar-se...</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">diga, irmão, uma só razão para permanecer,</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">e, então, eu permanecerei!</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">como hei de suportar?!</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">não está tudo caindo?!</span></div><div align="left"><span style="font-family:times new roman;">não está tudo desmanchando?!</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">não são sepulturas que tremulam ali adiante?!</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">oh, obscenas miragens!</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">não é puro deserto o destino que me aguarda?!</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">sim - de deserto! -, exulta acelerado o meu coração</span></div><p align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></p><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">qualquer idiota vence neste mundo,</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">todo bufão é apto a fazê-lo,</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">e eu, no entanto, julgo-me incapaz.</span></div><div align="left"></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">sou um verme entre sete bilhões;</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">sou o pior entre todos!</span></div><div align="left"><span class="Apple-style-span" style="font-family:'times new roman';">- e isto lá diz respeito a homens racionais!</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-71414594666155472552008-09-24T22:24:00.006-03:002008-10-10T09:10:18.742-03:00[a vaidade]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">o autêntico sinal entre nossos <em>gênios</em> é<em> </em>um modo pervertido de vaidade, e inversão da vontade [ou <em>fraqueza de vontade</em>]. neles o grau de humilhação amplia o orgulho e, atingir a lama e a podridão, corresponde a um máximo de bem-estar. em cada sinistro exemplar desses ratinhos urbanos pulsa tal crença [ou tal niilismo!]. portanto, </span><span style="font-family:times new roman;">não é propriamente um deprimido o <em>gênio</em> de nosso tempo: seu <em>modus vivendi</em> é antes a reflexão da velha má-consciência, o gozo particular do ressentimento, a reserva individual de sofrimento como posse de uma riqueza sobre-humana - é ainda o<em> "abandono de si"</em>. são os envenenadores do século! sobre eles, cairia perfeitamente bem aquela fábula do crucificado:<br /></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">"vejam como sofro, vejam como suporto! não será um deus quem suporta tamanho martírio? não deve haver nele um monstruoso saber? estará guardando um grande segredo? - não serei, por acaso, o alvo e a expiação suprema de vossos pecados? eis o rio onde desagüam vossas faltas! a pura superfície de punição e penitência de toda uma época! - isto! admirem-me! louvem-me! posso resistir a todas as privações e castigos; não posso, entretanto, viver sem vosso amor e honra! - e aqueles por quê não olham? por quê justamente aqueles não tomam a sério? não está aqui algo digno a rebaixar-se? - pois a vocês estão reservados piores sofrimentos e piores labutas! e tarde será para arrependimentos! e, é certo, não neste plano baixo e aparente (que tenho eu com mundos inferiores?)! não, aqui as penas ainda são terrivelmente brandas! como tenho piedade deste vosso desprezo e arrogância! pobres almas!"</span></div><div align="justify"><span style="font-family:Times New Roman;">[e, talvez no íntimo, após suspirar, sussure de si para si: "mal sabem que a mim só a cruz causa prazer! só pregado na cruz inspiro afeto! como os invejo, tais desprezadores e superficiais! e a minha inveja é do tamanho da minha cruz.]</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-86885535561503911072008-09-24T21:46:00.006-03:002008-10-10T09:14:37.666-03:00[o verme]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">estou definhando. tenho o tamanho de um besouro pequeno. todos sentem nojo de mim. não me surpreende, uma vez que vivo sujo e famélico. não sou um escritor, e tampouco sou qualquer coisa. a vaidade impediu-me a educação para a virtude. estou flutuando no mundo sem noção moral, sem respeito e sem deus. não existe nenhum deus a quem eu possa humilhar-me de joelhos. eu observo a cidade desde a minha pequena janela e não enxergo nada; é como se o mundo tivesse se desintegrado, como tudo houvesse sido eliminado, e restasse apenas a <em>mente</em>. uma <em>mente</em> doentia!... e a morte se recusasse a colher-me. é possível sentir a covardia correr entre as veias e formar coágulos enormes como cogumelos a ponto de explodir e destruir o teto sobre o meu crânio.<br /></span></div><div align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></div><span style="font-family:times new roman;"><div align="justify"><br />só posso escrever em tom de despedida. um homem triste vive a lamentar-se e a dizer adeus a tudo: à amada, à poesia e à vida. e tudo é insuportavelmente hipócrita! em seu eu profundo quer dizer sim a tudo – até ao mais pequeno e ao mais desprezível. quando escreve, em terrível depressão, deseja afagar a si mesmo. na solidão, no desespero, na iminência do ato final, o poeta faz amor. seu discurso à humanidade é falso e alegórico. fala todo tempo como que diante de um espelho – e não se fala diante dos espelhos sem falsear. tudo, portanto, é exagerado [e, no fundo, excessivamente teatral]. no limite da expressão estética encontra-se o macaco. o simiesco é o fruto da expansão desmedida da consciência deprimida. a ordem perfeita exige do <em>homem</em> o suicídio – mas o <em>homem</em> é meramente um sonho...</div><div align="justify"></div><div align="center">***</div><div align="justify"></div><div align="justify">a morte me surpreendeu muito prematuramente. mas mil vezes seria preferível o túmulo a esta morte vil: a morte social. houve uma época em que o pressentimento da extinção era motivo para belos dramas: o sofrimento valia a tragédia. hoje não há mais beleza ou fruição estética no aniquilamento, só existe o frio e o vazio... para onde desabaram as cores e as metáforas?! para onde embarcaram os sóis?! sobrou unicamente uma rocha dura, uma pedra gelada e cinza: um mineral morto. o que deixo aos homens além de meus ossos?! é tudo o que, no fim, a terra requer desta passagem vã.<br /></div><div align="center">***</div><div align="justify"><br />em que contexto o homem abandona o mundo e entrega-se à dissipação?! eu pressinto o álcool comendo-me aos grãos, e nada me é capaz de impelir contra isto. é já a fatalidade quem brinca com o meu destino.</div><div align="justify">se a <em>ordem</em> trabalhasse no mesmo sentido; se a <em>ordem</em> desprezasse a morte do indivíduo, por exemplo, como a ordem cósmica; se eu não nadasse contra a corrente; sim, então tudo estaria consumado – e, talvez, não houvesse mais sofrimento. porém, a <em>ordem</em>, através de seus simulacros, sob a aparência do amor e a face da fraternidade, impõe a morte moral contra a destruição corpórea pura e simples.</div><div align="justify"><em>antes uma vontade de nada do que nada de vontade</em> - na opinião do homem fraco, a <em>ordem</em> é a verdadeira culpada da sua contínua amplificação de tibieza. ele, no limite de sua covardia, não mais admite em si um único indício de saúde; recusa-se a reabilitar-se e, por fim, só pode sobreviver da transgressão. o enigma vital do deprimido, e, no extremo, sua última possibilidade de existência como ordenação da vontade, é a morte voluntária - e a consciência de contribuir para sua própria danação.</div></span>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-7785732927775672672008-09-24T12:46:00.006-03:002008-09-25T19:12:47.273-03:00[a arte pictórica]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">o verdadeiro artista demonstra a fina percepção de que a arte pictórica pode cobrir o acontecimento histórico e retratar o cotidiano, e que, entretanto, para torná-la uma obra de arte universal, precisa preservar o fundo mítico do tema, conservar a onipresença do mito, que paralisa o Tempo e suspende a História, içando o homem a uma posição sobrenatural e divina; então, nestes acasos raros, a pintura não só enrijece e petrifica o acontecimento histórico, por natureza fugaz, porém o interpreta sob uma ótica elevada, ultrapassando o destino dos homens palpáveis e concretos, e atira um manto sobre todos os seus ancestrais e descendentes, para que estes, no futuro, repitam a dança eterna que emerge da tela.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-55806478381214245332008-09-23T13:16:00.001-03:002008-09-23T13:18:52.355-03:00PABLO NERUDA do "Poema 20" de "Veinte poemas de amor y una canción desesperada"<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">"De otro. Será de otro. Como antes de mis besos. Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos. Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero. Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido. Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos, mi alma no se contenta con haberla perdido. Aunque éste sea el último dolor que ella me causa, y éstos sean los últimos versos que yo le escribo."</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-79903385593154785592008-09-23T13:09:00.001-03:002008-09-24T13:08:32.167-03:00[os mártires]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">é como se eles expurgassem sozinhos as dores da Humanidade; protagonizassem sob a iluminação dos holofotes o drama que ocorre na penumbra e no subterrâneo dos seres, encarnando a tragédia de todos nós. Jamais existirão homens inteiramente imaculados. Os homens santos são aqueles que vencem a si mesmos, que conseguem superar a si mesmos. A nódoa que por ventura manche a história de um homem varia de indivíduo para indivíduo. Não existe uma referência que vigore para a totalidade do gênero humano e que possa medir a moralidade de todos os seus atos e suas idéias. No meu modo de enxergar as coisas, cada ser humano, logo que nasce, é dotado de uma balança específica e individual a qual durante todo o período de sua existência ele esforça-se por ajustar, tateando o seu próprio instrumento como um cego. Não existiu um só homem santo que tenha atravessado o mundo incólume, completamente imune ao desmedido, que em alguma oportunidade não tenha também sujado as mãos...</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-87151924550500156192008-09-23T13:05:00.001-03:002008-09-24T13:09:04.552-03:00[os poetas modernos]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Os historiadores da literatura transformaram os poetas modernos em homens diabólicos, difundiram uma concepção ectoplasmática em que os poetas são verdadeiros injustiçados dos céus. Eu posso imaginar estes historiadores elaborando suas teses onde os poetas aparecem como mártires que agonizavam numa cruz imaginária, como mendigos imundos e maltrapilhos com crânios maravilhosos, ou homens muito magros que tinham vermes enormes nos estômagos, etc. Por serem um pouco necrófilos, os historiadores invocam essas imagens em que homens de carne e osso passeiam como mortos-vivos, como cadáveres andantes e etc. Eu não acho que isto seja verdadeiro: porque o poeta é um burguês, e um burguês nunca é totalmente honesto. Se por um lado é verdade que mergulharam nas profundezas, e conheceram a maldição de viver onde não existe luz, nunca arriscaram verdadeiramente suas vidas. Os burgueses nunca mergulharam muito fundo no oceano. Podemos sinteticamente dividi-los em três classes – imagine, como disse um filósofo grego, que a água é a vida: alguns, dentre eles, correm na praia e atiram-se na água rasa, onde ficam se desviando das ondas maiores, ora enfiando a cabeça para debaixo d’água, ora subindo a superfície assombrados; outros, mais curiosos e mais espirituosos, desabam no alto-mar cheios de paixão com escafandros e com cápsulas de oxigênio nas costas, contemplando o universo marinho encerrados na sua proteção hermética; enquanto a maioria, legitimamente denominados os superficiais, permanece deitada na areia da orla, com a pele untada de protetor solar, espantando um enxame de insetos que bóiam no ar. Os burgueses! – eles vivem com medo de se afogar... Os poetas que suportaram as profundezas são raros, geralmente eles aprendem a nadar e movimentam os braços na direção da praia; a imensa maioria sucumbe aos seus instintos de classe, e vai ensinar poesia na academia ou declamar versos em bares. </span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-90853901538380633172008-09-23T13:02:00.001-03:002008-09-24T13:09:25.880-03:00[esperança]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Indiscutivelmente Mandy sabia como me deixar deprimido. Tinha um prazer mórbido e dilatado em relembrar a minha esterilidade. Jamais vou compreender porque, justamente para ela, sempre me esforçava para me mostrar mais luminoso ou mais genial do que era na verdade. Se por um lado era visível que alguma parte minha apodrecia e que era pura carne putrefata – como se estivesse morta, como ela dizia –, eu juro que existia também uma outra parte, talvez imperceptível, insignificante, semi-oculta, minimamente quantificável, e que ela evidentemente desprezava, mas que se mantinha acesa, que ardia e crepitava entre os escombros, e que suficientemente friccionada, no futuro, explodiria como mil foguetes de artifício. Esta fração sobrevivente não tolerava que Mandy me espezinhasse. Embora fosse exteriormente incognoscível, a partícula de vida, o elemento de força e potência resistente em mim brilhava e reluzia como uma pira irreprimível e inesgotável.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-36109881887589652762008-09-23T13:00:00.002-03:002008-09-24T13:09:56.661-03:00[a perdição]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Quando o vejo – perdoe-me a franqueza –, posso vê-lo extinguindo-se como a cabeça de um palito de fósforo: muito cedo veremos a sua hora derradeira. Sim, você agora está como que inutilizado em um leito de hospital alojado no seu próprio cérebro, e repleto de enfermidades até o pescoço. Não é possível que não perceba as mãos de enxofre da História em volta de seu pescoço lhe estrangulando! As pessoas o abominam – eu preciso dizer – porque você é uma espécie de inválido moral, de libertino paraplégico que não se dispõe a dar o menor dos passos em direção a Deus ou ao seu próximo. Que monstro você é! Tanto o seu corpo como a sua alma se converteram em uma câmara escura. Você se transformou em uma caverna na qual é impossível um resquício de luz poder penetrar; nesse seu intelecto satânico, me parece, nenhuma chama de luz é capaz de freqüentar ou vigorar estavelmente – eliminando, por assim dizer, a sua densa partícula negra – a não ser que seja inevitavelmente um fogo destrutivo e amaldiçoado. Você é um homem perdido, eis a verdade! Nunca irá exclamar, como Goethe no fim da vida, que deseja mais luz, mas suspirará algo como ‘mais trevas e mais tormentas’... Eu juro por tudo que me é sagrado que jamais compreenderei a razão pela qual você ainda se julga um poeta! – embora creia que esta seja apenas uma parte da arrogância comum a todos os seus ‘anjos’ que caem do céu renegando a Deus.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-72654092668503603892008-09-23T12:57:00.001-03:002008-09-24T13:10:19.351-03:00[objeção]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Eu prefiro imaginar os meus deuses voando no ar como serafins. Você não se comove com a visão daqueles anjos inocentes e puros pintados por Rafael? Não, é claro, você não deve se comover! porque detesta a paz, o amor, a beleza, a justiça, e tudo o que vem de Deus. O seu problema é a sua queda pela indecência. Não suporto a sua adoração ao que é horrendo e podre, sua predileção doentia às coisas que estão se degradando, se decompondo, se degenerando... Todo homem entretanto que for um perdedor completo, você o terá em alta conta. É por isso que você me odeia, porque não estou com você e seus ratos na cova de Satã!</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-42314479799554617732008-09-23T12:27:00.003-03:002008-09-24T13:10:33.512-03:00[o poeta corcunda]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"><em>para bêbados</em> - o significado de uma cerca para o ébrio, por exemplo, não é evidentemente o mesmo de um homem lúcido. No cérebro do bêbado, tudo está pendurado de cabeça para baixo; as idéias que faz das coisas dormem em seu teto como morcegos negros. Sim, ele altera o seu sono, o seu período de vigília – ele modifica o próprio ciclo da natureza! O bêbado não pode viver sem deformar, sem distorcer ou destruir o mundo; ele é o desagregador, o pária, a força individual em combate contra os elementos de coesão social, subvertendo a ordem superficial a serviço de uma divindade esquecida.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">[O bêbado é uma <em>segunda natureza</em> do poeta. O poeta é aparentemente o bêbado primitivo - ou o ébrio com o estômago cheio. Em certas aparições, o poeta é somente uma farsa (uma fantasia incorporada ao bêbado original), ou a ausência de limites procurando expressão. Mesmo os bêbados têm <em>ereções</em>...]</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-60176305091454582852008-09-23T12:08:00.005-03:002009-05-14T12:54:52.193-03:00[o grande desgosto]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Às vezes eu penso que o Homem é como uma vela acesa na História; sim, uma vela com uma chama impetuosa e voraz numa montanha alta onde ela bruxuleia e ameaça extinguir-se e que será, num dia muito frio, definitivamente apagada pelos ventos congelantes do Tempo. Então tudo o que consideramos como sólido, como duradouro e definitivo, e que foi construído por nossa civilização durante os últimos milênios, será simplesmente apreciado como um sonho perdido na grande noite da História.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">È um erro estabelecer a regra do movimento da História como sendo uma polarização entre a civilização e a barbárie, ou uma dualidade entre o pensamento racional e o caos embriagado, que o solapa e o dilui de tempos em tempos. A ausência de uma explicação teleológica para o desenrolar da história, para o fundamento do universo, marca uma divisão cega entre a grande noite, na qual o homem inexistia, aguardando confinado em uma semente, e o intervalo mínimo em que nos foi propiciado um estreito facho de luz e no qual nós bocejamos sob o sol. É parte de nosso orgulho e de nossa arrogância conceber o mundo do modo como até o momento o concebemos, pretendendo que à toda complexa regulação da galáxia corresponda alguma área do nosso domínio intelectual. Imagine se uma lhama ou um antílope, por exemplo, emergissem por um instante de seu silêncio e nos dirigissem uma única frase – nosso mundo não explodiria de imediato? (e quantos lhamas e antílopes ainda falam em nosso tempo!)</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Estamos à beira da ruína, é o que eu pretendo afirmar! A presunção de que trajetória do homem é uma eterna e contínua evolução não resiste à menor aferição isenta. O conhecimento dessa verdade dolorosa, o conhecimento da natureza perecível, curta, mesquinha e egoísta, que possuímos como se fosse a jóia mais delicada que existe, deve nos orientar nos próximos séculos como uma bússola do Ser. Não podemos temer quebrá-la! Estamos por demasiado tempo acorrentados na rocha em que se transformou o Iluminismo. O objetivo final da existência não pode ser unicamente a conservação doentia de nossa civilização, ou nossa satisfação com nós mesmos, uma vez que não é a nossa civilização que está em jogo na História, mas nós mesmos. Não é mais possível suportar tanta repressão e tantos crimes contra nós próprios em nome da civilização. Viver não é a conservação ridícula da vida, não se trata meramente de uma questão de sobrevivência. Como dizia Nietzsche, é chegado o momento de viver perigosamente, sempre para frente, rugindo, como um rio.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="center"><span style="font-family:times new roman;">***</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Eu desejo, do fundo do coração, que os jovens que nos substituirão sejam mais felizes do que fomos até agora, e que a próxima geração possa martelar os próprios cérebros e dançar sobre a carcaça da nossa sociedade atual.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-53321708864760557112008-09-23T12:00:00.003-03:002008-09-24T13:11:32.159-03:00[o disfarce da Natureza; para Mandy]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Não me permitirei dar vazão ao impulso à verdade. Para quê? ‘Eis a vitória da lógica, o descanso da verdade... a dialética!’? A finalidade da dialética é a terra arrasada. O segredo da verdade é que ela não constrói. Não foi a verdade ou a razão quem erigiu os supostos “benefícios da civilização”, que você tão orgulhosamente celebra e difunde, porém, a ilusão da verdade. O trabalho de construir é sempre realizado pela arte, que é fundamentalmente enganadora. Todos os nossos monumentos estão sedimentados sobre a pedra essencial do erro. Em si, a verdade destrói, devasta e arruína; o procedimento da verdade, que pode ser comparado ao comportamento do pensador, é puramente de inspeção, de desconfiança, de suspeita e de exame. A lupa natural do filósofo serve para sondar e limpar o caminho, não para preenchê-lo: eis o método do Norte! Não é fortuito, por exemplo, que ali tenham crescido godos, visigodos, ostrogodos, vândalos, anglos, saxões, lombardos, vikings e borgundios. Na natureza, Mandy, nada é completamente aleatório, tudo surge por uma grande necessidade (uma necessidade que, entretanto, até agora, nos está oculta e que apenas tateamos). Na minha opinião, o destino do Homem é reconstruir Roma por toda a Eternidade – neste ponto, minha cara, somos tão infantis quanto aquela criança de Heráclito que erigia castelos de areia na orla; apesar de seu esforço jesuítico, ninguém alcançará maturidade suficiente para contemplar este reino completo, perfeito e acabado, que você julga nos esperar no futuro. A <em>Civitate Dei</em> prosseguirá um sonho irrealizável, especialmente porque, em meu juízo, a divindade não caminha igual ao macaco, como vocês supõem, mas gira, roda, dança em torvelinho, flutua em círculos esvoaçantes, e retorna. O paraíso não é apenas uma visão! Ele não está parado no horizonte. O paraíso é real e se movimenta dentro de uma enorme cápsula cilíndrica manejada pela Natureza; e nela a Humanidade desfila rodopiante e inebriada tal qual uma hélice sagrada e inteligente, onde dança e estremece, geme e solta um murmúrio frêmito. Acredite, Mandy, o Éden não está desenhado em uma tela estática, previsto ou esboçado em algum livro santo; o Céu não está pendurado na parede dura do futuro: ele não é o sítio no Tempo e no Espaço onde nos isolaremos da Vida – o paraíso, ao invés disso, é o mergulho profundo e demorado no mundo, no que há de podre e santo na Vida. O paraíso, ao meu ver, é o próprio trabalho do homem de compor a si mesmo, a sua construção incessante; ele existe e impera, em uma escala flutuante e variável, dentro de cada ser. Em cada comunidade, vigora um grau particular de níveis paradisíacos; e, em cada mônada do universo, a parte luminosa da Natureza brilha e fulgura incandescentemente – sim, é lamentável, apesar de tudo, que a fração observável, o grau visível, curto e restrito, de nossa jornada, demonstre-nos precisamente o inverso e realce, por todos os lados, o impreciso, o inacabado, o imperfeito: talvez tenha sido este o truque, o golpe e o subterfúgio, que a Natureza encontrou – truque para o qual contribuiu a nossa crença nos sentidos: e porque acreditamos tão solidamente em nossas impressões momentâneas. Porque não pesamos adequadamente os nossos frutos, temos esta idéia niilista e desfavorável acerca do homem, e, como castigo, colocamo-lo a trabalhar (como se ele já não tivesse trabalho o suficiente!). Em um enigma:</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><em><span style="font-family:times new roman;">Em verdade vos digo que o Homem é um sopro. Não tocarás com as mãos jamais naquele que sopra.</span></em></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-71898867646222218562008-09-23T11:28:00.006-03:002009-11-21T21:48:40.220-02:00[o pessimismo do Norte; diálogo imaginário]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Mandy analisava tudo atentamente, com sua sobrancelha arqueada, de dentro de seu frigorífico mental. Evidentemente, sob a sua temperatura ártica, eu sabia que ela era portadora de uma verdade e que, logicamente, minha elucubrações inflamadas não se sustentariam ao seu sopro de gelo: mas eu tinha o Sonho! Este fato lhe aterrorizava, porque, durante a sua vida inteira, Mandy se ocupou para que os sonhos infantis e inocentes da humanidade se dissipassem. Ela trabalhava para o engrandecimento moral do Homem – e tal caminho, segundo ela, só poderia ser alcançado através da repressão ao elemento individualista, desagregador e sonhador do homem. Possuía uma espécie de mantra interior: “ao Norte habita a Verdade! avante para o Norte, soldados da Razão!”.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Embora o Norte esteja por toda a parte, inconcluso e precário, disfarçado entre o Caos universal, sob a bandeira da Lei e da Ordem, o Sul permanece pulsante e latente, nos escaninhos de nosso desejo. Entretanto o Sul, apesar de representar uma tentação constante (talvez indestrutível!), é um abismo ao qual poucos homens sucumbem. Outrora, lembro, eu marchei junto àquele exército pálido seguindo o Norte; porém, enquanto todos dormiam como pedras, eu lutava contra a minha alma desertora. E os sonhos não têm pescoço, não se pode estrangulá-los! O sonho é impalpável e etéreo, não pode ser liquidado ou extraído da mente de um homem como se procede, por exemplo, com relação a um tumor. Eu estava cansado de dormir sobre o chão frio, sob o cobertor de neve da Razão, sonhando com meu cérebro de gelo. ‘Foda-se o futuro! Foda-se o imenso sol que se levanta no horizonte inalcançável! Prefiro ser um extravagante vagando entre as nuvens a um mendigo na terra!’. Por ventura me perguntarão ‘para onde seguir?’: ora, para qualquer lugar, para o fundo do Inferno, desde que não seja para frente e contanto que não marchemos mais. Não existe mais uma só causa que valha a nossa marcha! Sinto no rosto o vento morno do Sul, penetrando-me através de meus poros e me carregando embriagado nos seus braços invisíveis; posso espiar Helena dançando seminua na clareira de uma floresta; contemplar Ísis fumando um cigarro numa varanda de Floripa (sorvendo aquele perfume inesquecível!) ou ouvir Nietzsche declamando versos na baía de Nápoles numa tarde chuvosa de verão:</span></div><p><span style="font-family:times new roman;"><em>O Mediterrâneo jaz num sono branco<br />A não ser por uma única vela púrpura.<br />Rochedo, figueira, torre e porto mantêm<br />A sua inocência pagã; as ovelhas<br />Balindo nesta paz que nada quebra.<br />Cansado de todo o Norte estava eu<br />E do seu lento e metódico passo.<br />Pedi ao vento que me elevasse<br />E aprendi com todas as aves a voar<br />E para Sul sobre o oceano me apressei.</em><br /></p></span><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:times new roman;">E, por alguns instantes, permaneci imerso nestes pensamentos. Embora a atração irresistível dos ventos do Sul tenha me suspendido os neurônios por certo tempo, Mandy ainda estava postada no centro do hall, ereta e concentrada, expressando com o canto da boca o seu descontentamento e o quanto zombava do meu ar sonhador. Eu percebi que a minha aptidão mongol para devastar não encontrava consentimento em seus olhos, que Mandy personificava o totem da velha sociedade (um imenso espantalho com o rosto da Morte!). Sob sua ótica, de seu observatório nortista, eu havia me desligado à veneração do templo, corrompido os ícones sagrados, dissolvido os monumentos simbólicos e renegado à minha descendência primordial: era um filho bastardo, um desviado. Ela pensava em silêncio: “oh, pobre órfão!”. Via-se na penosa e dilacerante obrigação do juiz e do sacerdote de nosso tempo. “Afinal somos todos irmãos! Gostaria de abrigá-los todos sob o calor de meus braços, mas definitivamente não posso. É a Lei! A Lei sob a qual todos estamos subjugados, a qual todos devemos respeitar – e com o máximo de zelo. Não pense que é fácil julgá-los! Mas não sou surda ao dever... Saiam, saiam daqui, seus corvos assassinos!”. Isto transparecia em seu semblante, simultaneamente severo e duro, tão pesado quanto deve ser o Norte, porém, misturado a uma compaixão indolente, que reconhece o quão impotente é perante as coações do Norte. Todavia, ela despertou de seu silêncio complacente e austero, recuperando a expressão que <em>a férrea mão da Necessidade</em> supostamente exigia dela – com uma voz rouca e aveludada, saída de uma gruta escondida no espaço:<br /></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">“Era o que eu imaginava: sua descrição do Poeta corresponde a de um vagabundo luminoso! Deus, como você é previsível (e asqueroso)! Você despreza o trabalho, o raciocínio regrado e a responsabilidade coletiva; rejeita a possibilidade do poeta, como um camelo, carregar algo nos ombros, é avesso a todo o tipo de opressão; não vê uma importância social no ofício do poeta – ao invés disso, você determina unicamente que ele fique distanciado da massa, protegido, isolado em um apartamento de marfim imaginário. E ainda assim considera-se moderno! É por isso que você é uma nulidade! Considera-se um poeta – e verdadeiramente o é, na sua concepção da poesia. Porque, na sua concepção de poesia, o poeta está liberado de escrever, está autorizado a se calar. Não é incrível? Eu sinceramente acredito que tudo o que você disse é muito belo, mas é estúpido e não faz o mínimo sentido. Entre as suas proezas não consta razoabilidade. Você defende uma vertente de anarquismo que idolatra o ócio e a preguiça, e não a Poesia! Está no século errado ou será que é cego - e não pode remover os seus antolhos? Não é possível que não veja em toda a volta os benefícios oriundos do trabalho organizado, o triunfo da Razão em cada vitória de nossa civilização... Imagine que sua representação do poeta se generalizasse: não desabaríamos no Caos? Sim, pois posso prever, nessa condição, homens e mulheres lutando uns contra os outros dentro de uma bacia, no fundo de uma cratera, trocando ofensas e matando-se mutuamente pelos bens mais comuns e pelas migalhas mais desprezíveis. É a sua visão do Paraíso! É o seu Natal sobre a Terra!”.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Eis revelado o pessimismo sobre o homem! – a propósito, subjacente à toda consciência burguesa do mundo. O ideal burguês que ordena: ‘Não deixai o homem livre! Somos todos responsáveis pela segurança e preservação do coletivo!' Cada um deve impedir que se materialize a máxima <em>bellum omnium contra omnes</em>. O homem solitário e livre, que dança nos sonhos dos poetas, é um verdadeiro lobo – o qual devemos exterminar! Temos a missão, como rebanho, de evitar a formação destes predadores. O <em>contrato </em>está em jogo. Nada pode ser mais repugnante, para quem vem do Sul, do que tais fórmulas mortais, tais premonições negras e doentias proclamadas com ares catilinários.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-29198205293859380052008-09-23T11:19:00.001-03:002008-09-24T13:12:22.076-03:00[as igrejas modernas]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">O comércio da ilusão não é mais exclusividade de Roma. As igrejas se multiplicaram na era da propaganda. Onde o homem se sentar poderá ver o paraíso desenhado no teto.<br />Os mercadores de sonhos estão camuflados e diluídos na imensa fauna social originada pelas teses liberais. Tudo é interpretado sob a ótica dos mercadores / Tudo cheira à feira!... E quanta coisa é em vão desperdiçada!</span></div><div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Onde reina a democracia, reina a bagunça. O platonismo popular se terrificou. Forjam-se ídolos artificiais projetando sombras na rocha gelada do nosso cérebro. Os nossos melhores poetas, os poetas perdidos, estão submersos pela imensa camada de bosta cultural que a indústria caga sobre nós.</span> </div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-83714274874359813062008-09-23T11:04:00.003-03:002008-09-24T20:12:00.733-03:00[gio]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">Ele sentava e permanecia em completo silêncio. Sempre lendo e bebendo café preto. O cara necessitava tanto de café quanto de oxigênio. Juro que se ele permanecesse um dia inteiro sem café preto, no outro dia o encontraríamos morto no chão, como um peixe que passasse o dia do lado de fora do aquário. Assumia uma postura eloqüente e, dali a pouco, estava certo que ele emitiria um grande juízo sobre a existência. Tinha esta impressão todos os dias, mas ele sempre se manteve mudo. Nunca me disse nada. Não sei se ficou calado por humildade ou qualquer coisa que o valha. A verdade é que ele tinha uma expressão de quem realmente ia ao fundo das coisas, de alguém que não se deixava levar pelos nevoeiros. Quando ele despertava da profunda imersão em que se metia, dizia algo pela metade, soluçava, suspendia o pensamento em pleno desenvolvimento e se concentrava na parede, como se estivesse lendo algo escrito nos tijolos que somente ele era capaz de enxergar. Eu era pródigo em teorias, exemplos e viagens mentais. Perdia-me nadando entre a espuma, enquanto o Gio parecia querer morrer afogado lá no fundo. Tenho certeza de que ele é um grande gênio da nossa época. Só eu vou saber disso. Ele nunca saberá disso: é muito sábio pra ter uma conclusão desta espécie.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-18644030.post-34790266190490969252008-09-22T18:08:00.004-03:002008-09-24T13:13:32.905-03:00[espasmo]<div align="justify"><span style="font-family:times new roman;">eu soube que precisava relatar o meu passado, que eu não possuía talento para criar estórias, que o relato autobiográfico era um desejo profundo do meu inconsciente, que era impossível, para mim, escrever sobre os movimentos abolicionistas e golpes militares e guerras de libertação, e que, na História, os mártires, os santos, os rebeldes e todos os heróis vítimas de injustiças e que morreram em vão existem no nosso tempo, perdurando em inércia, que estão caindo como moscas, sofrendo de diabetes e se drogando e cuspindo enormes pedaços de seus pulmões no chão frio e duro, morrendo de doenças hepáticas e tendo overdoses irreversíveis de cocaína, e que, portanto, é difícil de compreender, mas os grandes homens ainda vivem entre nós e estão se borrando nas calças em hospitais e manicômios, vomitando nos fundos dos botecos, em banheiros sujos e fétidos, e vivendo isolados e deprimidos como vira-latas magros, com os corações transformados em um tubérculo mortal, e que eles, os nossos heróis, não estão só petrificados nos parques, nos monumentos e nas igrejas, sendo alvos de excrementos de pássaros; sim, todos os gênios estão tomando cocô de pomba nos ombros e pisando em merda de cachorro, e estamos desolados porque as peças fabulosas que eles criam, seus sonhos de Shakespeare, se desenrolam na mente, porque a criação permite que o gênio mova o mundo com o seu intelecto, e estamos afundando sozinhos num mundo individual e egoísta e falecendo sem criar coisa alguma, vivendo num mundo ilusório que não legará absolutamente nada às gerações futuras. e, afinal, o que é a criação? eu sinto que é estar em cima de um muro e rodeado de nada e que criar é antes um ato de coragem e loucura do que de composição, não é como pegar barro e ficar amassando. arremessar-se e voar, sem asas, sobre o nada imenso, numa queda constante e interminável, desabando para o fundo de um abismo, incognoscível e infinito... sim, uma viagem! e o passado também é um vazio que não deixa ruínas. os escombros são já a forma do presente. eu preciso curtir o meu passado, sei lá, como uma viagem de ácido e não só fotografá-lo com olhos de peixe morto. e por que os nossos deuses pirados não escrevem? por que justamente eu que tenho um cérebro de repolho preciso escrever? porque eles estão todos fascinados com suas fossas, lá sozinhos, renunciando, envoltos com suas neuroses psicanalíticas, deprimidos com tudo tipo Holden Caulfield, porque, desde Freud, alguém razoavelmente inteligente é fissurado e obcecado e viciado em análise e auto-análise, e tudo vira matéria de erudição e conhecimento e nada, definitivamente nada, se transforma em vida. eu não quero escrever mais um romance pequeno-burguês-entediado. a nossa classe social está coberta de tédio e desolação, e a saída para ela se esconde na miséria e na privação. só a feiúra é capaz de nos abalar. tudo o que é feio é ovacionado. tudo o que é ridículo e simples é aplaudido. a beleza agora fede. o apogeu do capitalismo nos tornou o belo insuportável. eu cansei da paz. tudo dá sono e vontade de beber. nunca mais existirá aquela satisfação transbordante da nobreza. nada agora merece reverência. não há no mundo algo similar a uma arte imperial. nenhum homem a quem se prostrar, nenhuma obra, nenhum ideal! precisamos escalar os fatos como alpinistas. quem não está cercado de montes? quem se encontra só com o vento entre as cordilheiras? quem pode enxergar algo lá do alto? cada indivíduo percorre a vida com uma bicicleta imaginária cortando o espaço. flutuando no vácuo. em frente! em frente! como se o tempo não existisse. como Henry Miller no Brooklyn observando o outono despencar das árvores como páginas de calendário. eis um sonho fabuloso! dançando com os cães como os mendigos loucos de Amsterdã. dormindo na margem do Sena, sob as intempéries e as rajadas de ventos inclementes. contemplando Paris fervilhar ao fundo, boiando sobre tubos de néon coloridos que explodem feito estrelas cintilantes... os nossos intelectuais passeiam meio ébrios diante dos cabarets luxuosos, nos largos bulevares que parecem levar ao paraíso. arquitetando uma idéia de vida extra-terrena, talvez sobreterrena. o intelecto burguês! mergulhado na lama e na podridão. mais miserável que um piolho sujo. assolado pela depressão congênita. a plenitude material se revelou diabólica. nosso espírito ocidental se assemelha àquele viajante que sonhando atravessar os continentes tocava o mapa com os dedos das mãos. e quão imprecisa é nossa cartografia! ignoramos a escala louca da mente. no fim das contas, estamos sós, dedilhando primitivamente os nossos instrumentos, acreditando erroneamente dominá-los, que neles somos instruídos e providos de técnica e providos de virtuosismo. não somos virtuoses, e nem sequer somos eruditos. não temos ciência alguma das cordas que vibram em nós. nós, os desafinados! não compreendemos nada sobre o que ocorre no íntimo do nosso corpo e da nossa alma. tudo o que temos agora é um punhado de músculos e nervos e ossos. inversamente ao que cremos, nós, os vaidosos, nossa razão é superficial. nosso conhecimento das coisas é ilusório e decepcionante. conhecemos os nossos órgãos interiores e a finalidade de nossas ações como um caixa de música entende de Beethoven, e o fato de executarmos uma sinfonia, de darmos forma e andamento nela, não significa que compreendemos o seu objetivo, ou que seja obrigatório que venhamos a conhecê-lo no futuro. tudo o que fazemos se restringe a descrever em minúcias e em fórmulas os processos. não suspeitamos, em absoluto, o Quê anima. um sonho miserável e sujo é preferível à nossa ciência. eis o gênio carregando sua casa nas costas. o desespero oriundo da pobreza espiritual... é o pressuposto único da miséria material que acompanha ao gênio asceta. o sábio detém em si todas as chaves e pode abrir a porta que desejar. veja-se, por exemplo, os avanços superiores de Maquiavel. ele só não subiu mais porque já enxergava o suficiente de sua posição. as paisagens que nos descreveu são amplas e grandiosas, e tudo o que se estende abaixo de si parece estar localizado em um abismo muito longínquo. naquele tempo havia esperança. hoje os homens valorosos ambicionam o chão. deitam-se na sarjeta como porcos. todo o nosso ouro está imiscuído à lama e ao lodo. nossos gênios peregrinam através da massa urbana entoando hinos franciscanos, exaltando a pobreza e elevando os indigentes ao trono universal. tanto a beleza como os valores foram corrompidos. a missão da igreja expirou. os bispos estão nadando em dinheiro. a moeda é o novo corpo de Cristo. a idéia do catolicismo fracassou. nada temos mais a oferecer senão os ossos. tudo o que continha vida foi sacrificado. a natureza santa foi dissecada. por tudo que é sagrado, temos que acabar logo com deus! os deuses foram uma invenção fascinante. no teatro da História, os deuses representaram o apogeu sísmico do coro metafísico que flutua no firmamento como uma sonata eterna que envolve o plano do Homem. um triunfo da Arte que só poderá ser comparado à sua derrocada. a idéia cumpriu o seu ciclo. os povos se excederam com a piada, e hoje a idéia se encontra demasiadamente séria. a imagem do novo paraíso é como “a noite estrelada no Ródano”, do deus louco Van Gogh. rompe com a nossa visão calcificada do mundo. eu vejo ali o prenúncio do apocalipse de nossa época. e um poeta cantando: “brotam no firmamento dezenas de medianos sóis. são sóis amarelos. como fogos de artifício sobre uma cortina sombria”. e o retrato do abismo do mundo é uma cidade ardendo sob a órbita incrível dos sóis, e os edifícios queimando como imensas labaredas e refletindo no denso oceano os fogos embaçados e deformados pela dança frenética das ondas, e uma série de colunas incandescentes serpenteando numa chapa negra de água, e mesmo que fixos no céu, os sóis contraindo-se como um acordeão velho alucinado, e num intervalo do céu negro, revela-se um demônio gigante no horizonte longínquo da tempestade, o mar funde-se à terra até não se distinguir o imenso plano líquido do apertado corredor de areia que ondula junto com as águas coloridas. o reflexo dos sóis projeta no mar uma constelação de cometas e o espaço restrito de areia, triangular, avança confusamente num torvelinho, com o chão trespassado por uma densa cabeleira de algas, amparando um casal exótico e soturno, trajando roupas de festa, como se o ponto extremo do triângulo fosse culminar em alguma derradeira profundeza.</span></div>Daniel Fontanahttp://www.blogger.com/profile/03210056785320952524noreply@blogger.com0