segunda-feira, fevereiro 15, 2010

e, logo, literalmente em chamas, faiscando no vento, espremendo os olhos e enxergando tudo meio que através de um plástico enrugado, de uma vidraça, ou de uma cortina translúcida e esbranquiçada, e, sei lá, emergindo do nada, lembrei de uma borboleta com enormes asinhas azuis fosforescentes presa no pára-brisas se movendo como um pêndulo, e que devia estar suspirando, sob a chuva suave e triste, sobre o capô negro do carro deslizando maciamente no horizonte infinito, meio inabarcável, de um promontório tenro regurgitado por uma cratera no céu tipo um ânus enevoado, uma nebulosa de gás, onde, no cimo friolento, mijei faz dez anos tentando enxergar o oceano longe ribombando contra as rochas, no primeiro dia em que me senti repelido pela humanidade, um estrangeiro forçado, ou um exilado inocente; e eu lançava o rosto para fora da pobre janela poeirenta sentindo uma brisa morna se chocar aos meus ouvidos como uma borracha mole e, num estampido mudo, como o estouro abafado plouft de uma rolha, mergulho na mais profunda e fria tremilicante melancolia como um homem-caranguejo engatando marcha-ré no tempo, como apnéia aquática imbecil e suicida no terraço - as derradeiras nuvens no céu dançando antes do céu se escurecer -, ou respirando agitado-ofegante como um piolho semisubmerso como uma mola na água que parece querer afogar na piscina visguenta feito lodo do passado, nadando ao reverso, contra a correnteza devastadora engolindo tudo cheia de espuma rugindo inelutável e definitiva, e olhando pelo retrovisor embaçado da memória só e triste; e o cair da noite cinzenta, no meio da rua suja e ruidosa, me faz lembrar en passant dos porres santos em floripa - santos! santos! santos! - caindo no chão por um facho de luz débil, eclodindo como holofotes se esgueirando no solo, e cenas inesquecíveis como eu e o gio no inverno no canto oculto e escuro de um bar nos conhecendo com os cotovelos escorados numa mesa de madeira horrível, e cinco noites ébrias oníricas consecutivas em que esvaziamos o congelador e todo o estoque de cerveja choca de um bar (assombrando, de verdade, o dono!), e, como um dos piores bêbados trôpegos do mundo, fiquei confinado sem razão no banheiro sufocante de um apartamento, urrando em silêncio, sentado no chão frio e duro, e martelando vagamente a cabeça na parede (os olhos febris e epilépticos-revirados fixos no teto de onde pendia um globo triste fazendo nhec em seu ir-e-vir imutável), etc. e, logo, a alma se enegrece absorvida por um tumor medonho; a visão se turva encoberta por uma neblina espessa que devagar vai se diluindo como um trago de maconha subindo e desaparecendo no céu; e lanço murros ingênuos no vazio como bandini pugilista no mojave esbofeteando a ossuda face do Tempo. e vou adiante, deambulando meio errático, e, num bar, no sopé do morro como um túnel, tomo uma caneta por empréstimo e escrevo sobre esse guardanapo horrível, lastimavelmente sentado, incógnito e quieto no fundo do bar deprimente, esfumaçado e claro como a lua, e escrevo essas idiotices lúgubres e mortas com caligrafia horrível e contendo as lágrimas. "ah, a difícil arte de a tempo ir-se embora!" creio que foi isso que nietzsche - santo! santo! santo! - escreveu sobre essa raça negróide de pessimistas, fornicadores da alma e morimbundos envenenadores da vida da qual eu hoje faço parte. fora lamentações! fora elegias e réquiens! tudo passa como vento pela mente. zunindo! e, sei lá, é meio demoníaco, eu bem sei, e não sei porque me calhou vir isso à tona agora, mas se o diabo possuísse como um arremedo a voz santa da giulia me chamando pra jantar com aquele sonzinho inocente, doce, infantil, santo! na noite úmida e agradável! aquela voz sagrada se esvaindo com o vento! e torturando a minha mente rodopiante de bêbado, que quer girar e cair em delírio... ela está aqui comigo na minha ressaca de bêbado deprimido e desprezível como um anjinho beatífico me segurando pelas pernas fracas, caindo no ar que agora está gelado, com os seus cabelinhos encaracolados macios e perfumados (pelos quais eu deceparia essas mãos que escrevem)!. e, de repente, o gio retorna por um buraco no céu, sentado na rede, balançando-se languidamente como em sonho, na varanda, numa noite suave em que bebíamos um vinho forte e seco! (uma talagada de veneno! bendito seja três vezes!), com uma negra com quem eu estava fodendo na época, e que não lembro o nome, me confessando porque jamais viria a ter um filho ("cara, para você ter um filho, deve-se, pelo menos, ter uma opinião favorável a respeito de si próprio; crer que você seja algo digno de ser reproduzido, repetido; mesmo que o seu filho venha a se converter em algo totalmente diferente do que você é, o que vale é essa lógica meio que de espelho destroçado"). e eu acho que talvez nós devíamos ter forjado a respeito de nós mesmos o que cada um sentia pelo outro, etc., e esse papo meio que fraternal e, no fundo, idiota e infrutífero. ah, dane-se! por que eu estava sentado no meio da rua cuspindo nos próprios pés sob a noite enluarada? (por que eu sempre tenho que chorar quando escrevo? por que eu não posso continuar? nunca. nunca. nunca.) a resignação é chave de uma paz doentia desencarnada. você sai na alegria e na tristeza retorna, eis a verdade.

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